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18 de março 

            Por mais irritante que seja, ouvir o toque de saída após três horas excruciantes de aulas é sempre uma sensação de tremendo alivio. Para ser honesta, eu não sei se aguentaria mais algum segundo que fosse fechada naquela sala quente, cheia de jovens barulhentos e de matérias aborrecidas que nos fazem ter vontade de desistir do futuro brilhante que todos querem que nós tenhamos. Foi bom poder levantar-me da mesa e dar uso às minhas pernas dormentes, poder abrir a boca e falar livremente, olhar pela janela e não ser repreendida. Uma nova liberdade assolou a minha mente, bem como o meu corpo, e portanto eu pude sorrir, como já não sorria há tanto tempo.

            – Parecia que nunca mais acabava, huh? – Craig, o rapaz que se senta na mesa ao meu lado, comentou. Lancei-lhe um sorriso vago, vendo-o afastar-se na direção da porta. A maioria das pessoas nem esperava pelo aval do professor, somente iam, corriam, desapareciam daquele lugar enfadonho e sem graça, desesperados por encontrarem um pouco de luz, de ar, de novas energias que pudessem dar cor às suas vidas.

            Assim que acabei de enfiar as minhas coisas na mala, coloquei-a ao ombro e suspirei, virando-me na direção da mesa onde Luke habitualmente se senta. O rapaz de olhos azuis faltara às duas últimas aulas e eu começava a ficar realmente preocupada. De todas as mensagens que lhe enviara, ainda não tinha recebido resposta, e, por mais que eu perguntasse, ninguém sabia dizer o que era feito de Luke, o rapaz afefóbico. Tínhamos tido a nossa última explicação ontem e, por mais voltas que eu desse à cabeça, não conseguia recordar algo que pudesse estar errado com ele. Luke parecera-me até muito bem. Os sorrisos acolhedores que ele me lançava sempre que eu acertava num exercício mais complicado e as pequenas melodias que lhe escaparam dos lábios quando ele se parecia esquecer da minha presença só me davam razões para acreditar que tudo estava bem com ele, no entanto, era estranho não o ter aqui. Era estranho não sermos as últimas pessoas a sair da sala e era estranho não existir tanto silêncio como existe quando ele está por perto. Porque, sempre que o Luke está comigo, existe silêncio à nossa volta; nada de confusões, nada de multidões, só nós.

            – Está tudo bem com o teu amigo? – Kara, uma colega com que eu nunca falava, questionou, aproximando-se de mim. Ela trazia no rosto um semblante tenso, como se estivesse realmente preocupada com o bem-estar de Luke.

            – Não sei. – respondi calmamente, preparando-me para sair.

            – Eu vi-o hoje. – a morena de cabelo entrelaçado comentou. – Ele parecia bem, achei estranho ter faltado.

            – Hm, pois... – cerrei as sobrancelhas, confusa com o que acabara de acontecer. Kara sorriu.

            – Suponho que vocês sejam amigos coloridos.

            – O quê? – o meu rosto aqueceu rapidamente. – Ah... eu tenho de ir.

            Nervosa, envergonhada e confusa, deixei para trás Kara e corri até ao corredor, tentando arranjar forma de desvanecer a tremenda inquietação que fazia tremer o meu corpo e aumentar a batida do meu coração. Até ao momento, ainda ninguém tinha feito qualquer pergunta acerca da minha relação com Luke e, honestamente, isso assustava-me. As pessoas gostam de fazer comentários acerca das vidas alheias, gostam de se meter, gostam de farejar tudo o que possa dar aso a um bom boato. Não fiquei, portanto, minimamente surpreendida com o que Kara tentou fazer ali, comigo. Podia ser tudo fruto da minha imaginação perversa, contudo, estava certa de que não era só Kara a única a reparar na minha aproximação a Luke. Michael também já me avisara uma vez: as pessoas podem ser muito maldosas.

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