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5 de maio 

            Na manhã seguinte já estava parada à frente do espelho da casa de banho, com umas olheiras negras e profundas e uma dolorosa dor de cabeça. Mal dormira depois de Michael me ter deixado em casa, o que não me deixou admirada, pois eu sabia que seria impossível descansar sabendo que Luke se encontrava no hospital. No hospital, por minha causa. Ainda não acreditava que as coisas tivessem sucedido tão rápido e tão erradamente, e aquela agradável tarde passada em casa de Luke desvanecia agora do meu pensamento, passando à equivalência de uma memória nostálgica que provavelmente nunca regressaria para me felicitar. Tomava agora uma pequena noção do que implicaria estar com ele. Estes ataques de pânicos continuariam a ser frequentes caso avançássemos para outro tipo de relação, e eu não queria, de todo, ser a responsável por eles. Queria apenas uma relação normal e estável, com amor e todo o carinho a que ambos temos direito, mas eu não podia elevar as minhas expectativas.

            Tomei uma aspirina e lavei preguiçosamente o meu rosto com água fria, tentando assim despertar minimamente para o dia que me aguardava. Não sabia se teria o prazer de ver Luke, pois com certeza ele preferia ficar no conforto da sua casa, longe de pessoas e possíveis ameaças à sua estabilidade emocional, no entanto, caso ele não aparecesse na escola, eu já deixara bem assente na minha cabeça que lhe daria espaço e apenas o visitaria depois de assegurar que ele não se importaria com isso. Não queria invadir o seu espaço ou causar-lhe mais problemas, e tudo o que eu pudesse fazer para ajudar, faria.

            Depois de descer as escadas em silêncio e de me instalar confortavelmente à mesa, enrolei os meus cabelos loiros atrás das costas e pousei o queixo na palma da mão, soltando um suspiro silencioso e profundo. A cozinha estava vazia e não tinha a certeza se os meus pais já teriam saído para o trabalho ou se ainda estariam a dormir. Ainda era cedo, pois o relógio marcava as seis e quarenta e nove e normalmente eu acordava às sete e meia, mas não liguei muito a isso, pois caso os meus pais me vissem e fizessem perguntas, eu diria apenas que me sentia mal disposta, evitando assim explicar-lhes a confusão passada durante a noite. Enquanto deixava passar o tempo, barrei uma fatia pão com compota e dirigi-me ao frigorífico, retirando de lá o pacote de leite. Aqueci um copo com ele no micro-ondas e bebi-o ainda morno de um só trago, sentindo-me sem apetite ou sem forças para mais. Depois disso, enquanto me distraía a brincar com um guardanapo à minha frente, ouvi as vozes carinhosas dos meus pais, que se dirigiam até mim com sorrisos ternos.

            – Bom dia, querida. – cumprimentou a minha mãe, debruçando-se gentilmente para me beijar a bochecha fria. O meu pai fez o mesmo, esfregando o meu cabelo e deixando-o despenteado. Eu tentei sorrir-lhes, não querendo preocupá-los.

            – Já acordada? – o meu pai levantou as sobrancelhas, parecendo surpreso e divertido. – Dormiste bem?

            – Mais ou menos. – encolhi os ombros, arrumando tudo o que tinha usado para tomar o pequeno-almoço. A minha mãe reparou e pareceu entender que algo de errado se passava, no entanto, continuou a ferver a água para o café, concentrando-se nessa tarefa. – Eu acho que vou andando. Não quero chegar atrasada.

            – Claro. Precisas de boleia à tarde? – a mulher de cabelos castanhos interrogou, apreensiva.

            – Ainda não tenho a certeza. – encolhi os ombros. – Mas se precisar eu ligo a avisar.

            Peguei na minha mala e nos meus livros, que se encontravam caídos no mesmo sítio onde eu os deixara no dia anterior, e corri a abraçar os meus pais, que se despediram com sorrisos doces e pedidos para eu ter um bom dia. Não sabia se teria realmente um dia bom, já que, depois de tudo o que aconteceu durante a noite, só esperava encontrar o meu melhor amigo de costas voltadas para mim e o rapaz de quem gosto preso a um medo superior. Ainda assim, mantinha a esperança. Abandonei o interior da minha habitação, abri o portão de metal que separava o jardim do passeio, e caminhei pela rua fora, chegando por fim à paragem do autocarro.

Naive ಌ l.hOnde as histórias ganham vida. Descobre agora