Capítulo 01

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Eu os conheço desde os meus 14 anos de idade. Sempre que me viam eram simpáticos, conversavam e me ofereciam aperitivos. É claro, minha mãe não gostava nada daquilo e sempre brigava comigo, pois, segundo ela, eu estava " incomodando" os seus patrões. Oras, eles eram quem me ofereciam. Mas achei melhor não contar isso à ela, e depois de um tempo, fui proibida de ir no seu serviço. Fiquei dois anos sem pisar naquela enorme casa, mas isso mudou subitamente quando minha mãe sofreu um acidente e ficou incapaz de continuar em seu emprego. Vendo seu desespero, tomei uma atitude. Iria trabalhar em seu lugar. Além do mais, se eu não fizesse isto, ficaríamos sem nenhuma renda já que só éramos eu e minha mãe e o seu salário de faxineira era o que nos sustentava. Tomada pela determinação, conversei com o Sr. e Sra. Argent, explicando o que tinha acontecido e que eu tomaria o lugar de minha mãe.

De princípio eles não gostaram da ideia, já que eu era menor de idade, e argumentaram que nas horas que eu estaria trabalhando eu poderia estar estudando, mas depois de muito apelos — e um pouco de drama é claro — eles aceitaram. Com uma condição, que eu não largaria meus estudos. Concordei na hora, é óbvio. E aos 16 anos comecei a trabalhar para a família Argent e agora, já perto de completar 19 anos, sou considerada da família. Calma, essas não foram minhas palavras, e sim de Cami, minha "patroa" — que eu considero mais como minha melhor amiga; ela havia dito isto uma vez quando eu a acompanhava na ambulância há quase dois anos, quando ela estava perdendo o bebê e outra no velório de minha mãe. Naquele dia eu chorei muito agarrada em sua mão. Pessoas tão boas como Cami e Paul, que foram basicamente os únicos a me ajudarem a superar meu próprio luto, realmente não deveriam ter que passar por tudo o que passaram.

Não era segredo nenhum que eles já vinham tentando engravidar há 5 anos, com sete anos de casados. Porém, Cami sofrera 4 abortos espontâneos, e um deles quando eu estava presente. Ela já estava de quatro meses quando aconteceu e nenhum de nós gostávamos de nos lembrar daquele dia.

Já sem esperanças, Cami e Paul cogitaram a idéia de adoção, mas uma semana depois Cami descobriu que estava grávida de novo, e eu nem vou comentar como os meses seguintes foram angustiante. Eu rezava para que nada de mal acontecesse e que aquele bebê viesse ao mundo na hora certa e repleto de saúde. E assim foi feito, nove meses se passaram e a pequena Estela nasceu. Assim que vi Paul passar pela porta segurando a pequena bebê nos braços, meus olhos encheram de lágrimas.

Meses felizes se passaram e eu realmente não esperava o que estava por vir.

— Diga "oi, Dinda" — Cami faz uma voz fina, enquanto segura os braços da filha e gesticula um oi pra mim. Acabo rindo.

— Você não acha que ela tá nova demais pra começar a falar? — Cami e eu estávamos no quarto da bebê, jogando papo fora enquanto eu dobrava as roupas secas de Estela e sua mãe terminava de amamenta-lá.

— Lola, eu acho que você está atrasada.

— Que horas são? — pergunto já olhando as horas — Merda!

Cami ri e se balança na cadeira.

— Já falei pra você que dobrar as roupas de Estela não é seu trabalho.

— E pelo visto nem ser a babá. — pego minha bolsa de dentro do berço — Às vezes eu me pergunto o que tô fazendo aqui.

— Me fazendo companhia. — ela sorri docemente.

Balanço a cabeça em negativo.

— Às vezes tenho a sensação que vocês fingem que faço algo aqui só pra ter a desculpa de me dar dinheiro para me ajudar.

— Completamente errado — Cami diz, parando de balançar — Você está aqui porque gostamos de você. Você é como se fosse a irmã caçula que eu não tive, e você é a tia de Estela.

— Não de verdade.

— Deixa de bobagem, o que é sangue perto do amor.

Nisso ela tinha razão, já que eu era muita apegada a essa pequena e desde o dia que ela passou por aquela porta, vestida de rosa e com uma tiara maior que ela mesma, eu me apaixonei perdidamente por aquele ser humaninho. Mas isso não vinha o caso, o assunto era o fato que eu basicamente não fazia quase nada aqui. Eu nunca fui realmente faxineira, já que assim que eu comecei a trabalhar eles contrataram outra pessoa, dando a desculpa de que ele estava apenas me ajudando. E depois que Cami descobriu que estava grávida, eu virei a "babá" de Estela. Eu fazia umas coisas aqui e ali, mas nada realmente sério para eu ganhar o que eu ganho de salário.

— Pare de pensar, gaste suas forças na sala de aula, esqueceu que você está atrasada?

— Certo! Mas isso não acaba aqui! — faço um gesto de que estou de olho nela. Escuto a risada de Cami enquanto saio do quarto.

Antes de ir diretamente embora, passo no escritório de Paul. Dou duas batidas na porta.

— Entre. — veio sua voz de dentro.

— Já estou indo embora, só vim me... ah, desculpa, não sabia que você tinha companhia.

— Tudo bem, é só o Ben.

Olho de relance pro homem sentado no sofá, e como sempre, a maldita careta presente em seu rosto. Meu santo e o desse cara com certeza não bateram. E não é de hoje. O filho da puta gostava de falar de mim por trás, já até mesmo cheguei a escutar ele falando com Paul sobre mim, e não era coisas boas. Ele alegava que eu era uma impostora, que estava aqui só pra roubar o dinheiro deles e blá-blá-blá. Imbecil! Quase cheguei a me demitir naquele mesmo dia.

— Quer uma carona Lola?

— Não precisa, o ponto de ônibus é perto daqui.

— Bem, se você prefere andar nele... — Paul faz um sinal de calor.

Rio enquanto a careta do babaca sentado no sofá aumenta.

— Realmente, não precisa. Obrigada mesmo assim.

— Se você diz.

— Boa noite, Paul.

— Boa noite. Vê se chegua inteira amanhã.

— Pode deixar. — fecho a porta, mas espero um pouco e ...

— Se eu não estivesse aqui, ela teria aceitado a carona. — o babaca diz, assim como era previsto.

— Lola não é esse tipo de garota, Ben.

— E que tipo de garota ela é?

— O tipo de garota que não é pra você.

— Não se preocupe, eu vou manter distância dessa criança.

CRIANÇA? Eu não era criança já faz muito tempo! Eu sempre fui mais desenvolvida que as outras meninas da minha sala, menstruei aos 12 anos e tinha mais peito que todas as meninas com 13 anos na época. Quem esse babaca pensa que é pra me chamar de criança?!

— Você não deveria estar na faculdade? — Cami me pergunta parada no corredor, segurando a babá eletrônica nas mãos.

— Estou indo! Estou indo!

E corro para fora da casa.

LolaWhere stories live. Discover now