"Time to Show Love"

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O sol estava começando sua despedida, melancólica para uns, gloriosa para outros. A iluminação alaranjada refletindo no lilás azulado do céu de verão. Ele logo perderia suas cores abertas, ganhando tons escuros até encher-se de escuridão – exceto pelas estrelas, que logo dariam o ar da graça. E era exatamente naquele aspecto de metamorfose que Madson planejou a cerimônia, ela achava bonita a ideia de que a mudança do dia para a noite poderia representar, também, a transformação da relação entre eles após aquele dia.

Os convidados já estavam acomodados, e uma Stella comovida colocou-se a ajeitar ansiosamente a gravata do filho, mesmo sabendo que não havia nada a ser arrumado ali. Ele estava incrível, ela pensou ao vê-lo, e repetiu isso à ele vezes o suficiente enquanto se preparavam para entrar.

Haviam velas dentro de pequenas cúpulas de vidro, estavam espalhadas por todo o jardim e margeando o tapete branco que os levaria ao altar. Somente quanto todas elas foram acesas, a banda começou a tocar uma versão instrumental de Blackbird, dos Beatles. Alex ofereceu seu braço à Stella, aceitando seu porvir.


Anna tinha razão, Madson estava linda.

E Alex, que não tolerava injustiças, julgou-se o pior dos seres humanos. Parado ali, assistindo aquela grande mulher caminhar em direção à ele, que não tinha a oferecer um pouco do muito que ela merecia. Se tivesse se lembrado de escrever seus votos, diria que a felicidade dela estaria sempre acima da sua. E Alex sabia que não havia verdade maior que essa. Ele jamais seria tão feliz quanto Madson, mas não pretendia deixa-la descobrir, e esse era seu compromisso com ela.


- Existem momentos difíceis na vida de um pai... – Stephen discursou, quando convidado. O microfone em uma mão, a taça de champanhe na outra – E existe o brinde de casamento de sua única filha... – Os convidados riram, porque era o que se esperava deles – Um brinde à Madson e Alex... Que haja amor.


E Anna ergueu seu whisky, encontrando o que restava de sua coragem para torcer: que houvesse amor, mesmo quando não houvesse tanta paixão.

Que Alex nunca perdesse a paciência com o vinho caro com cheiro de inseto, ou se entediasse quando Madson quisesse ouvir James Morrisson. Que ele parasse de fumar escondido, porque era importante para Madson que pudesse confiar nele.

Que ela nunca, em nenhuma situação, desconfiasse que ele havia chegado tão perto de desistir. Ou descobrisse, por um descuido, que não era a mulher da vida dele.

Alguém precisava sair ileso daquela tragédia.

Que fosse Madson.

Anna brindou à isso.


- Não vai dançar, Anna? – Robert perguntou, e soou mais preocupado do que pretendia.

- Acho que não é uma boa ideia... – A moça respondeu, e mesmo seu tom brincalhão soou deplorável – Muito whisky para um salto tão alto.


Alex, assim como um objeto de adorno, foi carregado para todos os cantos da festa. Cumprimentou mais gente do que conhecia, e tirou mais fotos do que gostaria. Sorriu mais do que achou ser capaz.

Esgotado, pegou-se imaginando o momento em que a banda se despediria e aquelas luzes coloridas seriam desligadas. Se acomodariam na cama de casal, e ele fingiria estar bêbado demais para transar, então poderia dormir.


- Você se lembra daquela história que me contou... – Madson gritou para Alex, sua voz soando acima da música – Que você e Anna iam em algumas festas para roubar bebidas...

- Lembro... – Ele respondeu, e ainda que não soubesse o motivo de Madson ter invocado aquela lembrança, sentiu-se desconfortável – Um de nós distraía o pessoal dançando muito mal, o outro pegava a bebida... – Madson riu, e assim como havia feito da primeira vez que ouvira a história, tentou construir a cena em sua cabeça.

- Espere aqui...

- Mad?


Alex a assistiu deixa-lo pra trás e atravessar o salão, serpenteando despreocupadamente por entre as pessoas, as poucas que ainda tinham energia no fim daquela noite.

Atônito, ele observou Madson inclinar-se na direção de Anna, e pouco depois rebocá-la de sua cadeira, ignorando seus protestos constrangidos. Estava descalça, e os cachos artificiais tinham se desfeito, deixando seu cabelo com um aspecto puramente desarrumado. Seus olhos corriam para todos os lados, e seus lábios se curvaram num sorriso nervoso.

Alex se perguntou se era o único a notar a ironia daquela cena, onde Madson posicionou Anna em frente à ele.


- Pensei em roubar uma garrafa de qualquer coisa... Talvez possam me ajudar.


Seus olhos, tomados pelo desconforto, se encararam e se perderam repetidas vezes pelos próximos minutos. Não acharam que houvesse qualquer coisa que pudesse atenuar o embaraço. Mas Lisztomania era quase um hino de seus anos de glória, e sua introdução soou como um convite. E sem nenhuma das hesitações dos últimos dias, partiram juntos dali direto para aquele espaço dentro deles onde, se bastavam.

Eles começaram a rir antes de começarem a dançar. Os mesmos movimentos estranhos e desarranjados de anos atrás. A mesma diversão em cantarolar aquela letra, tão familiar e significativa para ambos.

Alex e Anna, outra vez.

Mergulhados nas lembranças de todas aquelas noites desregradas, dançando na sala de algum desconhecido apenas para conseguir uma garrafa de vodka, e então poderem sair de lá e ser quem queriam ser, em qualquer lugar da cidade onde pudessem ficar bêbados e sozinhos.

Cantando, plenos pulmões, enquanto Alex dirigia rápido demais pelas ruas vazias.

Gargalhando de qualquer coisa.

Jovens e intensos, experimentando aquela esperança que parecia ser infindável.

O mundo costumava parecer menos assustador quanto estavam juntos.

Que estranho vê-los dançar tão mal – e, Deus, como dançavam mal –, e ainda assim não deixar de ver a beleza que havia, e que vinha de dentro para fora.

E, enquanto saltitavam – uma confusão de braços, pernas e sorrisos – e cantarolavam repetidamente "time to show love, time to show love", Stella chorou. Porque Anna e Alex eram seu casal favorito, ainda que nunca tivessem sido um casal de verdade.

E Madson também chorou, porque, como dizia a música, era "hora de mostrar o amor", e havia tanto amor... Havia mais amor no simples dançar de Alex ao redor de Anna, do que nos votos de casamento que trocaram mais cedo.

Do que em todas as vezes que ele beijava sua boca, afagava seus cabelos, ou encarava seus olhos irredutivelmente, até fazê-la rir.

E o brinde de Anna falhou.

Ninguém saiu ileso daquela tragédia. 


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P.S.: Talvez queiram ouvir Lisztomania enquanto leem. Ou talvez pelo resto de suas vidas. Valerá a pena, isso eu garanto!Xx

FriendzoneWhere stories live. Discover now