O Casamento de Martha

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18 de Julho de 2009, Sheffield, South Yorkshire – UK


Os olhos de Alex observavam a corrente de ouro que tinha na palma de sua mão – era delicada o bastante pra que ele se preocupasse em romper seus elos ao manuseá-la. Analisou mais uma vez os pingentes, um pequeno livro aberto e uma pena ainda menor, na dúvida se combinavam com o colar, se Anna iria gostar.


- Alex, já está pronto? – Stella gritou do lado de fora de sua porta. O rapaz tratou de guardar a corrente na caixa e enfiar no fundo do bolso de sua calça.

- Preciso de ajuda com a minha gravata! – Respondeu, levantando-se e andando para frente do espelho, a fim de fingir que estava ali desde antes.

- Filho, estamos atrasados! – Repreendeu a mulher ao irromper pelo quarto – Me deixa ver isso aqui...


Stella iniciou uma rápida discussão a respeito de seu cabelo, ele deveria ter cortado desde o início da semana, mas deixou passar. Ao menos havia retirado aquela barba que nunca crescia direito.

"Minha mãe vai se casar", disse Anna em uma ligação no começo de Junho. "Quero que seja meu par", acrescentou. E ele quis dizer que seria seu par pela vida toda, caso ela quisesse. Mas calou-se. E vinha alimentando aquele silêncio há tanto tempo, que agora, bem nutrido, havia tomado uma proporção incômoda. Precisava livrar-se dele, havia decidido.

Então quebrou aquele cofre, onde vinha economizando dinheiro para o mochilão que já não sabiam se fariam, e comprou um colar com pingentes personalizados. Diria que era um presente pela finalização de seu curso, mas era apenas o pontapé inicial de um discurso que havia ensaiado – preferia chamar de discurso, porque declaração parecia muito audacioso.

Diria como estava se sentindo. Ou pelo menos uma parte. Quem sabe usar algumas metáforas. Talvez se arriscasse em enfiar seus sentimentos todos num pedido singelo: "quer jantar comigo?". Embora "podíamos sair beber alguma coisa qualquer dia desses" combinasse mais com a relação que tinham, Alex ainda estava decidindo o que soava melhor.


Estava calor, e as mãos úmidas de Alex escorregavam pelo volante do carro da mãe. Ela não estava tagarelando como de costume, distraída ao tentar fechar a pulseira que usava em ocasiões especiais – era sempre Robert quem lidava com o fecho, mas não naquele dia, ou nos últimos meses. Alex pensou que ela poderia ter pedido à ele, mas entendia porque não o havia feito. Vinha substituindo-o em algumas tarefas, mas havia espaços onde ele nunca caberia.

Ao seu lado, no banco do passageiro, o pai respirava com preguiça e pouco se manifestava. Seu silêncio havia se tornado familiar depois do AVC, falar fazia-se cansativo. Às vezes, irritante. E agora, mesmo que depois de todos os exercícios intensivos as palavras voltassem a soar como palavras, ele parecia acostumado a guarda-las pra si.


Alex saltou do carro e ajudou Stella na tarefa usual que havia se tornado o montar e desmontar da cadeira de rodas. Robert já se considerava preparado para começar o uso do andador, seu fisioterapeuta ainda preocupava-se com seu equilíbrio. Disse à Alex que conseguia descer do carro e acomodar-se na cadeira, só precisava apoiar o peso do corpo na perna saudável, mas o rapaz ignorou como costumava fazer. Pegá-lo no colo foi ficando mais fácil, Alex achava. Não sabia se pela clara perda de peso, devido à dificuldade de deglutição que ele sofria desde o acidente, ou se pelo costume.

O temperatura muito alta daquela tarde os fazia questionar se ainda estavam na Inglaterra, ou se de repente o salão de festas ficava em um mundo paralelo – em algum lugar muito próximo do inferno, talvez. E em meio à toda aquela claridade incomum, os olhos semiabertos de Alex a reconheceram. Do outro lado do jardim que atravessavam, no topo de uma escada de quatro degraus, apoiada na balaustrada e entretida com coisa alguma.

FriendzoneWhere stories live. Discover now