Despedida de Solteiro

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15 de Julho de 2016, Los Angeles, California – USA


Havia aquele relógio bonito na mesa de cabeceira que ficava do lado de Madson, e Alex desejou poder quebra-lo. A cada minuto daquela noite, que pareceu eterna, as pancadas imaginárias ficavam mais frequentes, mais fortes. Queria destruí-lo até que não restasse um só fragmento, até que ele não significasse mais nada, e então não teria de esperar que as horas dissessem que já podia se levantar, e começar seu novo dia.

Sentia-se disposto como se fossem nove da manhã, mas ainda eram quatro – mostrava aquele maldito relógio preguiçoso.

- Que horas são? – Madson resmungou, a voz arrastada e cheia de sono.

- Sete e alguma coisa. – Alex respondeu, depois de conferir os ponteiros do relógio que prendia ao pulso – Bom dia!

- Bom dia... – Com clara indisposição, Madson sentou-se na cama e retribuiu o beijo gentil que o noivo deixava em seus lábios – Tem algum compromisso?

- Preciso ir no apartamento... – Não era mentira, embora não fosse toda a verdade. Depois de um rápido conflito de ideias dentro de si, acrescentou – Convidei Anna para ir comigo, vamos revelar algumas fotos e ficar pela cidade... – Soou estranho, e Alex achou que não deveria haver estranheza ou culpa, não deveria parecer uma traição ou algo que ele devesse evitar – Você se importa?

- Devo? – Madson disparou, suas longas pernas se enrolando numa posição de índio, os olhos cuidadosos – Está atrasado? – Alex maneou a cabeça num gesto negativo, tentando afastar aquela sensação de que estava em apuros – Senta aqui um pouquinho, então.

- Hm, ok... – Ele sabia exatamente o tipo de conversa que o esperava. Não era bom com elas.

- Meu pai veio me perguntar sobre vocês dois ontem... Você e Anna... – Comentou, tentando soar mais casual do que poderia.

- Perguntar o que?

- Se vocês têm uma história. – Alex odiava aquela imensa facilidade que Madson tinha de olhar nos olhos.

- E o que você disse?

- Que eu não tinha certeza... – Os dois se observaram, num silêncio que tinha muito a dizer.

- Não entendo... – Alex soltou, curvando-se para apoiar os antebraços nas próprias pernas, assim talvez tivesse uma desculpa para não olhar diretamente para a noiva – Você sabe que conheço Anna desde os 11 anos, que somos amigos desde então...

- Alex... Não é esse tipo de história, você sabe. – Ele não respondeu, mesmo ciente de que não responder deixava espaço para quaisquer suposições – Eu não queria estar falando sobre isso, amor, eu sempre fiz questão de não ser a namorada chata, ficar criando caso por nada... – Ele não respondeu, mas com orgulho reconhecia o relacionamento saudável que nutriam. Pouco se aborreciam com julgamentos e argumentações, com cobranças ou amarras desnecessárias – Eu gosto de Anna. Quer dizer, eu tive medo de conhecê-la, tive medo do que encontraria... Insegurança, talvez... – Ou instinto, Alex pensou – Pensei que talvez ela fosse apaixonada por você, e que viesse com a intenção de deixar isso claro, tentar te conquistar, eu não sei... Alguma coisa meio "Casamento do Meu Melhor Amigo" – Madson disse, umedecendo a tensão com um pouco de bom humor – Mas ontem, quando estávamos no jardim com seus pais... Enquanto bebiam e compartilhavam histórias que eu ainda não conhecia, eu... Comecei a me sentir insegura outra vez...

- Mad...

- Alex... – Era um pedido, e Alex nunca negava nenhum deles – O que me preocupa é que... Não foi nada do que ela fez, não acho que ela vá te agarrar a qualquer momento, ou reivindicar você na vida dela... Mas você... – Alex, alarmado, desenrolou a coluna e adotou uma postura quase defensiva. Madson continuou, com a mesma calma de antes – O jeito que você olhava pra ela, você provavelmente nunca me olhou daquela maneira, e eu não tenho certeza de que algum dia você vai. – E então sufocaram num silêncio asfixiante – Você é apaixonado por ela, Alex? – Em voz alta, soou dolorosamente real e aterrorizante.

- Não... - Alex havia treinado aquela negação por tantos anos, que agora ela soava convincente.

- Você já foi, algum dia, apaixonado por ela? – Aquela pergunta, por outro lado, ele nunca havia respondido. Havia esse "não" em sua garganta, ele não saiu – Só... Por favor, não minta pra mim.

- Nós ficamos uma vez... – Disparou, e era a primeira vez que contava sobre isso a alguém. Mesmo ele e Anna nunca citaram o ocorrido de maneira tão declarada. Era sempre implícito, com palavras soltas, mal escolhidas – Em 2005... – Alex precisou conter os detalhes que nunca havia dito. Eles nunca pareceram tão vívidos em sua memória. – Depois disso nunca houve nada entre nós, além de amizade... – Não era mentira, mas estava longe de ser a verdade – Onze anos, Mad, fazem onze anos...

- Por que nunca me disse? – A mulher questionou, e embora houvesse um rastro de cólera em sua voz, continuava paciente.

- Eu não sei! Talvez porque não tenha significado nada pra nenhum de nós! – Despejou Alex, e tinha essa impressão de que sua irritação devia-se muito pouco aos questionamentos de Madson – Estávamos bêbados, chapados, não sabíamos ao certo o que estávamos fazendo! Foi estranho, quase incestuoso, é só isso... – Quando parou, percebeu, nos olhos bem abertos da noiva, que estivera gritando.

- Alex... Você tem certeza? Tem certeza que não significou nada para os dois? – Alex arfou e levantou-se, o corpo trêmulo de uma raiva que estivera contida, e que de repente estava sendo exposta para a pessoa errada.

- Eu não posso dizer por ela, Madson! – Exclamou, frustrando na tentativa de conter sua ira.

- Eu não acho que possa dizer por você, também! – Alex levou as mãos na cabeça, os dedos penteando agressivamente os cabelos pra trás. Ficou de costas, porque não conseguia encará-la – Você precisa pensar nisso, Alex, e ser sincero com você, e comigo... Não é justo com nenhum de nós que você entre naquele altar pela metade.


Alex gostaria de ter organizado a tempo o emaranhado de palavras que tomava conta de sua mente. Não estava nem perto de conseguir quando ouviu a porta do banheiro fechar – não com a brutalidade que esperava. Sozinho, naquele quarto assombrado, teve vontade de socar qualquer coisa.

Ao invés disso, tocou na porta de Anna. Apenas uma parte de seu rosto inchado surgiu na fresta da porta. Alex apontou para o próprio cabelo, sem gel como o prometido, ela lhe respondeu com uma risada sonolenta. Perguntou que horas eram, depois disse que iria se trocar. "O mais rápido que eu puder", garantiu. Alex sugeriu que carregasse consigo algumas peças de roupa. E enquanto ela se organizava, ele teve tempo suficiente para escrever um bilhete, com letras tortas e apressadas, para Madson. Deixou sobre a mesa de cabeceira, preso embaixo do relógio que ele passou a madrugada detestando.


- Você já pode me dizer onde vamos? – Anna perguntou logo que se acomodaram no carro, ambos puxando o cinto de segurança ao mesmo tempo. A inquietação que Alex sentia desde a discussão começava a perder a força. Logo não haveria nada além da ansiedade positiva pelo dia que estava por vir.

- Primeiro vamos até o meu apartamento... – Dito isso, estendeu para ela sua câmera – Temos algumas fotos para revelar.

- Ok, e depois? – A boca de Alex se curvou num sorriso desatento – Ah, qual é, Alex?

- Paciência, gafanhoto! – Pediu, com um bom humor que parecia irônico depois do início daquela manhã – Logo você saberá. 

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