Olhos Castanhos

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"Tinha sido amor à primeira vista, à última vista, às vistas de todo o sempre."

Vladimir Nabokov

Suor.

Escorria pelas minhas vestes enquanto eu aumentava o ritmo de corrida e virava a esquina do meu prédio, pisando duramente no chão, há poucos metros, perto da barraquinha de hot dog eu pude avistar uma cena que me fez sorrir.

O Husky e o dono, ele estava calmo hoje, diminui o ritmo ao me aproximar, meu olhar indo nele, que ao me ver, pareceu ter me reconhecido das outras vezes, vi seu rabo abanar e o dono me olhou sorrindo, mordiscava seu hot dog de sempre.

- Olá, carinha. – O saudei, tocando em sua cabeça, fechou os olhos aproveitando o carinho, parecia sonolento.

- Olá, Lauren. – Troy falou com o sorriso simpático que levava na boca desde sempre. Meus dedos se perderam entre os pelos brancos, macios, era um ritual que eu andei fazendo durante todos esses três meses que se passaram.

Eu conseguia ver o Husky, que agora, já sabia com propriedade, chamava Bud.

- Eu peguei uma cruzada nível difícil hoje! – Troy, me falando sorrir o olhando, estava com um jornal debaixo do braço, eu sentia a satisfação me dominar.

- E conseguiu começar? – Perguntei. Ele sorriu negando, terminou seu hot dog e deu alguns passos, limpando os dedos e a boca em um guardanapo.

- Gosto de pensar em suas cruzadas, são difíceis, por isso começo elas em casa. – Ele falou pagando o senhor do carrinho, que me olhou simpático. Tinha traços fortes latinos, pele bronzeada, os olhos enegrecidos.

- E Bud? Curte das minhas cruzadas? – Perguntei afetuosa, o cachorro pareceu reconhecer seu nome falado pelos meus lábios. Acariciei sua cabeça e ele voltou a pousar a cabeça sobre as patinhas, sonolento, não se importava mais com o movimento em volta.

- Ele é o seu maior fã... – Troy falou coçando a nuca. Eu sorri. Eu também tenho essa estranha obsessão por esse cachorro, em especial esse cachorro, ele parece sentir-me realmente como eu sou.

- Foi tão bom ver vocês hoje, pensei que não ia conseguir vir a tempo. – Falei satisfeita, me erguendo, e o olhando. Ele puxou a coleira com delicadeza, o que fez o cachorro se erguer, agitando o corpo, tentando despertar, moveu, lambeu minha palma e balançou o rabo com o olhar desviando na direção oposta em alerta.

- Foi bom te ver também, Lauren... – Ele falou, chamando minha atenção para olhar seu rosto. Era sempre tão gentil comigo, eu realmente não entendia, meus olhos se perderam no padrão perfeito que os seus cabelos mel faziam, todo engomadinho, onduladinho, com fios pequenos soltos e loucos.

- Lauren...

Pisquei, focando meu olhar nele, sentindo minhas bochechas queimarem.

- Desculpe. – Pedi, pela minha facilidade de me perder em pensamentos no meio de conversas alheias, Bud se moveu mais firme, dando um latido repentino. Eu foquei nele, tarde demais para evitar sentir o esbarrão violento contra o meu corpo, o que me desequilibrou a ponto de quase cair, se não fosse o braço firme de Troy me segurar no último segundo, Bud voltou a latir alto enquanto eu respirei fundo, ato automático que tornou tudo esquisito. A fragrância que preencheu minhas narinas me fez piscar hipnotizada virando o rosto na direção do corpo no sobretudo, os cachos castanhos caindo nas costas, pela primeira vez, o rosto estava reclinado de lado, como se tentasse olhar atrás, o braço segurando um celular no ouvido esquerdo, o perfil era borrado, difícil de visualizar de longe, eu pouco vi, mas o cheiro me fez apertar os olhos, tentando enxergar mais, foi como um soco no estômago.

CrosswordsWhere stories live. Discover now