Capítulo 5

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Durante o primeiro mês, após encontrarem o último prodígio, os damasos trouxeram a primavera e o processo para a volta das crianças à suas respectivas famílias foi iniciado. Jordi decretou e os guerreiros começaram pelas primeiras crianças que chegaram ao porto. Porém aquele problema tinha apenas iniciado, pois a dificuldade que enfrentavam para a devolução ultrapassava qualquer previsão.

Eles fizeram um controle precário, os documentos que indicavam a origem das crianças estavam confusos ou muitas vezes eram inexistentes. Na maioria dos casos eles se baseavam pelas informações que as próprias crianças davam. Fato que aumentava ainda mais o transtorno.

Muitos eram levados a famílias diferentes das suas verdadeiras, alguns pais que tinham condição iam ao forte reivindicar a tutela de seu filho, mas não era possível saber se realmente estavam falando a verdade, pois as crianças mais bonitas possuíam uma disputa de casais para a sua guarda.

Outras teriam ficado órfãs, devido à truculência dos guerreiros. Quando isso ocorria, a ordem era levar a criança aos seus parentes mais próximos, caso houvesse a descoberta de quem era a família mais próxima da criança. Nesse caso, além da dificuldade de descobrir quem era seus familiares, alguns parentes ainda se recusavam a cuidar da criança. Por isso, aquelas que não possuíam parentes deveriam ser destinadas à adoção em regra. Mas essa adoção pouco foi executada nos primeiros meses, pois a preocupação principal era da devolução a aqueles que ainda possuíam uma família.

É importante falar também que Sachiel nunca fora esquecida ao longo desse processo. Todos os dias ela recebia instruções de um dos três damasos que estavam no forte. Porém, suas aulas práticas ainda não teriam começado, pois Mosheh estava além das fronteiras, enfrentando os vampiros. Aliás, ele ainda nem tinha conhecimento de Sachiel, pois ele teria saído na manhã do dia que ela chegou.

O clima tenso entre os outros prodígios também insistia. Andreas não estava mentindo quando falou que eles a consideram como ameaça. Isso ocorria, pois aqueles meninos conheciam apenas aquela realidade. Durante os oito anos eles sempre foram o centro das atenções de todos que frequentavam o forte, principalmente das empregadas e professores escolares. Entretanto, após a chegada de Sachiel isso mudou. O fato de a menina ser uma garota abalou aquela estrutura extremamente sólida de mimos e dengos.

Todas as atenções se voltavam apenas àquela ruivinha de cabelos mal cortados. Além do mais, esse corte maldoso apenas aumentou os paparicos das empregadas que além de darem roupas e brinquedos também afagavam na tentativa de se tornar uma espécie de inúmeras mães para ela.

Mas Sachiel não aceitou tal mudança de forma receptiva. A mente da garota estava confusa. Seu coração doía muito e não era por causa de problemas cardíacos. Ela se fechou para aquelas pessoas e não permitia qualquer reciprocidade emocional. De sua boca não se pronunciou nenhuma palavra. "Essa garota é muda?" muitos se perguntavam, mas Andreas e Uri sabiam que ela não era. Entretanto, não falavam nada, pois se falasse os damasos descobririam que eles eram os autores daquele corte exótico de Sachiel.

O mundo se tornara menos interessante para ela, seu maior conforto era se perder em seus pensamentos e voltar à sua antiga casa, em uma vila pequena, afastada dos vizinhos. Sua mãe, uma mulher tão bonita sempre a acariciava e falava que tudo estava bem. Seu pai contava-lhe as mesmas histórias, mas ela ainda sim ficava fascinada. Aquilo lhe trazia paz. O mesmo acontecia com seu irmão. Em seus pensamentos, ele ainda era aquela criança extremamente ativa e chata. A disputa entre brinquedos sempre ocorria e as brincadeiras continuavam as mesmas.

Quando a realidade voltava, ela não conseguia confiar em ninguém o suficiente para perguntar sobre o paradeiro de seu irmão e de sua mãe. Além disso, ela temia a resposta. Sua imaginação era melhor do que uma possível notícia de morte. Todos daquele forte enojavam a garota. As falsas cortesias eram de dar dó. Ela sabia que eles faziam aquilo apenas para tentar conquistar a sua confiança para depois ela ser obrigada a obedecer aos ditames deles e, talvez, encontrar algo para tirarem dela novamente. Ela tinha muito medo daquelas pessoas.

Anjo da ÁguaWhere stories live. Discover now