Prefácio

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Mesmo com toda experiência que possuía em batalhas, era inevitável sua queda.  O fim estava próximo, ele sentia um pouco de temor e apreensão.  Mas ninguém lhe culpa, pois a horda das abominações era maior, estavam despreparados e em noite de lua nova.  A espada transpassada em seu tronco perfurava não só seu corpo, mas também sua hora. 

Ele não poderia mais defender sua vida, sua família, seus companheiros de luta e penúria. Chorava por dentro, pois sempre se considerou majestoso, invencível e indescritível, mas agora estava ali, na sarjeta. A dor aumentava a cada minuto, seu sangue transbordava e escorria por aquele matagal seco.

A lua, tão bela, tão tímida, escondia-se. Não sorria para ele naquela noite. Ao mesmo tempo, os semideuses mangavam de sua existência. Os porta-vozes da sabedoria escarravam em toda sua existência. Condenaram-no ao fim mais medíocre que poderia ter. Apesar de ter lutado por aquilo que amava, falhou e morreu.

Nada restou.

O sofrimento não passava mais de lembranças. Caiu de joelhos. Já não se sustentava mais, mas tentava ser forte. Seu melhor amigo segurou-o e ajoelhou-se em sua frente.

– Seja forte, senhor. – falou com certo temor do pior inevitável.

– Acabou, meu irmão.

O silêncio daqueles homens apoderou-se do momento, ele finalmente havia partido.

– O imperador caiu! – gritou um dos guerreiros, que muitos consideram suicidas, por prosseguirem em uma empreitada tão arriscada.

– Recuar! – berrou o general, em seu imponente cavalo.

Muitos foram mortos. Vidas desperdiçadas por conta do egoísmo de poucos. A sorte seria apenas a impossibilidade de aumentar a quantidade de infectados e, dessa forma, piorar as condições do império, que já estava precário.

Homens-lobos não viram vampiros, homens-lobos não viram vampiros, homens-lobos não viram vampiros. Felizmente. Essa frase ecoava pela cidade, quando as poucas dezenas de guerreiros e os quatro damasos retornaram daquela humilhação secular.

– 200 homens, 4 damasos – chorava um ancião.

A cidade estava de luto pelas almas sacrificadas. Que os deuses tenham piedade. Morreram lutando... Morreram.

Uma nova Era se iniciou naquele império. Um novo imperador nasceu. O ciclo se renovava com mais esperança, mais lutas, mais mortes.

O novo imperador estava em algum local, o continente que viviam não era muito grande. Dilecto era o nome daquela terra e do povo que habitava nele. Significa amado.

No forte, todos estavam apreensivos com aquela situação, os anciões já não falavam nada. Eles, que haviam ensinado a arte de domar os elementos, que teriam se tornado, de uma forma torta, os seus pais, estavam ausentes, não fisicamente, mas mentalmente.

As suas almas não estavam mais naquele local. Os ensinamentos teriam sido inúteis?

Depois daquela humilhação.

– Agora o futuro está em nossas mãos. A esperança depende unicamente de nós. – falou Eurípedes.

– Precisamos encontrar a nova geração o mais rápido possível. – Jordi, o domador da terra sobrevivente avisou aos seus irmãos.

Após isso, uma longa escuridão perdurou no coração desses quatro homens.  Melchior, o damaso do fogo, Mosheh, damaso da água, Jordi, damaso da terra, e, Eurípedes, damaso do vento, iniciaram uma busca pelos nove bebês perdidos. Aqueles que passariam a representar algo que eles falharam em ser.

A esperança.

A maldição.

O futuro.

A morte.

Quatro palavras que estão interligadas por acontecimentos desonrados, mas que sempre andaram juntas desde os primórdios daquela civilização.

O novo ciclo representava para algumas famílias dor, separação, desespero. Para a mãe dos bebês seria um golpe imperdoável. Seus queridos filhos, amadas criaturas, eles não estariam mais em seus braços assim que os damasos aparecessem.

Apenas a certeza de que seus filhos estavam destinados a um futuro grandioso as consolavam um pouco. O orgulho era um bom amigo, mas ninguém poderia saber, pois os bebês não teriam mais famílias depois de encontrados.

E o ritual precisava ser completado.

Nove noites foram necessárias para encontrar todos os novos damasos e o novo imperador. Nove noites especiais, uma para cada bebê, que agora eram osnovos prodígios.

Eram nove homens, o novo imperador foi nomeado de Andreas XX. Os damasos do fogo foram nomeados de Uri e Alec. Os da água foram nomeados de Araí e Douglas. Foi nomeado de Sion, o irmão gêmeo de Douglas, que era um damaso da terra, ao lado de Yves. Por último, os damasos dos ventos foram nomeados de Anemone e Gale.

Eles reconheciam os prodígios facilmente, pois todos nasceram no dia da morte do antigo imperador e possuíam uma marca representando o elemento que poderiam domar.

Esse método foi infalível durante séculos, mas, assim como a perda vergonhosa, inesperadamente poderia aparecer uma falha nunca vista antes.

 Um dos bebês daquela geração não possuía a marca, mas nasceu no dia. Os damasos sabiam disso, sabiam que estavam correndo o risco de falharem novamente, mas levaram impiedosamente da mesma forma. Não correria o risco de perdê-lo. A família foi resistente na entrega.

Não sabiam ao certo quais seriam as consequências daquela atitude impensada, mas, talvez aquele momento fosse o decisivo, sem precedentes e uno que poderia equilibrar aquela batalha secular. Os vampiros precisavam ser exterminados e os interesses que envolviam essa causa estavam acima de todos os outros. Não se deve dar sorte ao azar, nunca.

Essa atitude tomada, entretanto, não foi realizada a sangue frio. Os damasos que acompanharam a busca naquele dia sentiram um pesar enorme pela família. Sentimento esse que, surpreendente, se sobressaiu comparado aos demais. Eles nunca sentiram tanto por uma família. O damaso do fogo foi o que mais sentiu, e, por isso, passou dias sem se alimentar.

☾☾☾

– Sacrifiquem-no – foi a ordem de Mosheh quatro anos depois da morte do imperador.

– Mas não será no centro da cidade. Ninguém poderá saber dessa morte. – Retrucou Jordi – Não podemos perder a credibilidade das pessoas, terão de acreditar em uma morte natural.

– Que seja por envenenamento! – Respondeu Mosheh.

– Todos de acordo, então? Araí será envenenado. – Completou Eurípedes.

Todos assentiram e o garoto, naquela noite, pagou o preço da confusão desses damasos. Ele teria nascido às 23h e 59min do dia anterior, não era um verdadeiro damaso, seria morto por isso.

Ao mesmo tempo, o verdadeiro damaso estava perdido e agora seria procurado.

Anjo da ÁguaWhere stories live. Discover now