Capítulo 3

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Era o aniversário de Sachiel, ela completaria oito anos naquele dia. Nos últimos meses, seu pai repetia frequentemente para todos na casa que os damasos finalmente tinham enlouquecido de vez. Todos os meninos seriam levados de suas famílias, ele temia por seu filho querido. Joseph tinha completado cinco anos no mês passado e se tudo continuasse daquela forma, ele não completaria seis anos ao lado de sua família.

– Eu odeio esses damasos, mamãe. – Sachiel falava isso na mesma frequência que seu pai repetia que eles eram loucos.

– Querida, eu sei. Eu também odeio, mas procure esquecer esses homens, pois hoje é um dia especial. – Sua mãe falou a pondo do colo e a beijando em sua face.

– Posso pedir uma coisa para você? De presente de aniversário?

– Sim, meu amor. Qualquer coisa.

– Me promete que a senhora não vai deixar que os homens maus levem o Joshep?

– Tudo bem querida – ela abraçou a filha e uma gotícula de lágrima desceu de seu rosto abatido pelo sofrimento.

As duas estavam sentadas na sala de estar da casa de aspecto abandonado. Durante muitos anos aquela casa foi o refúgio daquela família que tentava reconstruir diariamente o que tinham perdido quando moravam na capital.

O medo sempre esteve presente, mas ele estava extremamente desproporcional a qualquer pecado ou erro que eles teriam cometido. Talvez fosse castigo dos deuses, mas o único delito que cometeram foi um furto famélico e isso ocorreu há muitos anos.

Nada justificava aquilo. A dor era grossa e penetrava o coração dos adultos daquela família. Para as crianças, o desespero e a angústia eram os seus brinquedos. Nada se podia fazer para evitar a visita indesejada dos guerreiros. Eles estavam vasculhando cada centímetro do império. A busca se iniciou e prosseguiu em um formato de círculo para encurralar todas as famílias que ainda não tinham sido visitadas.

Os números dos soldados em batalha foram reduzidos, a maioria foi transferida para dentro do império a fim de auxiliar na busca. Todos estavam mais desprotegidos e o perigo maior estava dentro das muralhas.

Corria notícia de famílias que tentavam fugir, mas logo eram apanhadas pelos soldados e torturadas. As crianças eram levadas da mesma forma e a única coisa que restava era a indignação. Pelas ruas das cidades e vilas o que se via era mulheres gritando nas calçadas. Mães agonizando por causa do rapto de seus filhos.

O império gritava com uma única voz, ela era feminina, era de milhares de mães inconsoladas, desesperadas e tratadas como bicho. Diante desse senário, inúmeros heróis tentaram surgir. Pais e filhos adolescentes tentavam se rebelar, protestar contra tais atitudes, mas todas as tentativas foram massacradas e mais mortes eram causadas.

Não circulava mais jornais, a única forma de saber o que estava acontecendo era pela via oral, passada de boca em boca, forma que era repleta de erros e fantasias. Mas, se não fossem os comentários da população, seria impossível saber o que os guerreiros estavam fazendo. Talvez essas notícias possuíssem exagero, mas sempre existia um resquício de verdade.

Os colegas de trabalho mais próximos do pai de Sachiel concordavam plenamente com aquela atitude dos damasos. Para eles, devem ser tomadas medidas extremas em situações extremas. "Os nossos defensores nunca encontrarão o prodígio perdido se continuarem com tamanha benevolência. Se for para escolherem entre ser amado ou temido, é preferível ser temido, pois quem ama trai", diziam eles.

Sempre que o pai da garota pensava nesses comentários acerca das atitudes de damaso ficava alterado. Incontrolavelmente, ele precisava se mexer, talvez aquilo fosse crise de ansiedade. Não havia nenhum relato de qualquer distúrbio emocional nos ascendentes de Sachiel, mas só a ideia de ver seu filho arrastado porta afora de sua casa o abalava completamente.

Anjo da ÁguaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora