Capítulo 3

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A peça da escola não foi um fracasso completo, não como pensei que seria.

Noah representou o homem mais triste que já vi – senhor Buscove. Ele chorou quando cantou sobre perdas, eu chorei quando cantamos sobre abandono.

Não que eu me sinta abandonada, essa palavra parece forte de mais para algo que envolve Ace. Ele só... Só precisou partir para continuar existindo. É. Só foi isso.

Ace talvez gostasse da peça.

Nós falamos sobre amor eterno e eu escrevi a maioria das cenas pungentes: quando os casais se separam, quando o amor não parece suficiente, quando a serviçal se apaixona loucamente pelo homem mais rico da cidade e essa não tem seu amor correspondido... Mas havia uma alegria ali, escondida sob a melancolia, um amor estranho, feito o nosso, que nasceu das reentrâncias do vazio e coloriu tudo de cores solares.

Mesmo sendo uma criatura das neves, Ace me parece solar. Solar como tulipas salmão e amarelas, num tapete de grama.

Ace estaria perfeitamente adequado ao verão de Minnesota. Às chuvas e aos babadilhos cor de rosa, que agora enfeitam os pinheiros.

Queria poder guardá-lo em meu porão. Esconderiamo-nos no escuro, longe dos raios do sol, e, durante a noite, viveríamos. Assim eu não teria que perdê-lo para outra cidade fria.

No entanto, não queria ter que aprisioná-lo do mundo e escondê-lo de seus desejos. Ace é liberto de mais para um porão, assim como é liberto de mais para o vampirismo.

Ele nasceu para ser eterno à sua própria maneira: ver o sol se pôr, observar pessoas andando no Central Park sob o céu da primavera nova-iorquina, acordar antes do sol para ver as flores, uma por uma, e fotografar olhares perdidos.

Ace não nasceu para viver no escuro, ele nasceu para brilhar como as luzes de natal.

Ace.

Eu escreveria cartas se soubesse onde ele realmente está. Eu o visitaria, não importa o quanto Alasca está longe de International Falls. Abraçaria seus pulsos com meus dedos, tocaria seu rosto, seus lábios... Tudo isso não seria mais um desejo, seria a realidade.

Mas não faço ideia de em que parte do Alasca Nicholas escondeu Ace. Não posso ligar pois não tenho um número, não posso vê-lo, não há nem mesmo uma foto. Se eu fosse um vampiro também, distância não significaria nada.

– É – talvez eu tenha dito isso alto de mais. Mas, pouco importa. Estou sozinha, só eu e meus devaneios. – Se eu fosse um vampiro... Ace poderia me tornar um. Não, não. Ace jamais faria isso. Ele é tão contra a eternidade quanto eu sou contra carnes queimada e pizza insossa.

Posso não ter Ace aqui, mas conheço um jeito de senti-lo, apenas um pouco.

Abri a gaveta da escrivaninha. Bem ali, sob pilhas de cartas sem destinatário, a chave do chalé de Nicholas, dourada e antiga, brilha parcamente sob a luz da luminária. Ace entregou-a a mim segundos antes de ir embora.

Lembro-me de não saber o que fazer com essa chave e da sensação reconfortante que foi usá-la para abrir a porta do chalé pela primeira vez.

O cheiro de Ace está em cada canto daquela casa, em cada centímetro daquele tapete vermelho no centro da biblioteca. Posso sentir como aquele lugar é importante para esses dois, por isso, estou tornando-o importante para mim também.

Calcei as sandálias, prendi os cabelos e tentei sair de casa na surdina. Todavia, tentar não foi o bastante.

– Onde vai, Cara de Queijo? Algum lugar empolgante, tipo a loja de departamentos? – Billie interceptou-me no centro da sala, usando sua enorme ironia mais uma vez.

Queria simplesmente passar por ele e ir, mas, se bem conheço meu irmão, ele não vai me deixar partir tão facilmente, não sem dar uma dica de para onde vou, não sem arrastá-lo junto comigo – e essa é uma coisa que não pode acontecer.

– Vou à casa do Noah, deixei o script da peça com ele e queria ler e... – E? Sou péssima com mentiras. –... melhorar algumas coisas que ficaram... fora... de... lugar.

— Fora de lugar, hein? — ele analisou as pontas dos dedos, dividindo seu olhar entre as unhas corroídas e minha cara de palerma sem saber o que fazer.

— É, fora de lugar. Posso ir agora? — sorri do modo mais divertido que pude.

— Se me levar junto, sabe? Como um protetor contra o... Sol. Pode me chamar de Super-Guarda-Sol — Billie pôs as duas mãos fechadas na cintura, olhando para frente e para cima.

— Do que você está falando? — arrumei a bolsa no ombro, tentando parecer normal. Bem, agora vejo que ser normal é um bocado difícil. — Eu preciso ir antes que o papai resolva cozinhar novamente. Você não vai querer limpar a casinha outra vez. Ou vai?

O rosto de Billie azedou. Sério e bronzeado, ele parece uma estátua que esqueceram de polir.

— Não. Não quero limpar aquela bagunça outra vez.

— Então. Vai mesmo me fazer perder a hora, Senhor Apolo? — sorri. Dessa vez, venci.

— Na-não. Mas nem pense em ir sem mim. Vamos logo! — É, não venci. Perdi e feio.

Bufei. Todas as minhas ideias para livrar-me do irmão curioso-perseguidor-superprotetor esgotaram.

— Tá legal. Não vou à casa do Noah coisa nenhuma — fechei os olhos ao dizer. — Vou para outro lugar.

— Uuuh, uma aventura. Que tipo de lugar? — por alguma razão, Billie começou a sussurrar.

— Uma casa. Na mata. Preciso cuidar de algumas... coisas — e, por alguma outra razão, também sussurrei.

— Que tipo de coisas?

— Do tipo importante.

— Importante, hein? Estou começando a gostar muito disso — ele lançou-me uma piscadela.

— Droga — estou prestes a fazer uma coisa terrível. — Se for vir, se apresse — e vai ficar ainda pior.

Billie me seguiu durante todo o trajeto, sem parar de falar — só o fez para recuperar o fôlego. Tinha esquecido o quão tagarela esse garoto é.

Depois de vários "aham" e outros "eu sei", finalmente chegamos à casa do Nicholas. A entrada agora me é totalmente visível. É tão diferente de quando havia neve aglomerada em todos os cantos.

— Bem, é aqui — inspirei profundamente. Queria que Ace estivesse ali dentro, escondido, mesmo que só me olhando. Isso já seria muito bom.

— Hum — Billie andou até a casa e olhou através das janelas. — É a casa do seu... Namorado? Amigo? Ficante? O cara que você dá uns beijos e vai embora? Olha, Brie. Eu não precisava vir se...

— Você quer, por favor, calar a boca — revirei os olhos, retirando a chave do bolso e a passando pela fechadura. — Isso não foi uma pergunta.

— OK, senhorita 007. Não está mais aqui quem falou — ele ergueu as mãos. Por que há sempre um sorriso escondido atrás daqueles lábios? No que será que meu irmão pensa tanto que é tão engraçado?

Abri a porta, um cheiro intenso de flores invadiu o ar. Cheiro de flores e saudade.

Verão Taciturno (livro dois)Where stories live. Discover now