Capítulo 23

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Billie me chamou baixinho do outro lado da sala, erguendo o celular para mostrar que alguém estava ligando

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Billie me chamou baixinho do outro lado da sala, erguendo o celular para mostrar que alguém estava ligando.

    O nome de Nicholas brilhava na tela. Sua voz estava abafada do outro lado da linha, era como se ele estivesse tentando soar tranquilo quando na verdade não se sentia assim. Isso aconteceu quando Ace me levou para sua casa.

    É sempre muito fácil ler os sentimentos de Nicholas, é assim quando ligo pra falar de suas flores. Ele cuida de tudo e sente tudo. Talvez por isso ele escolheu essa vida mundana. Ele é um jardineiro invernal e seus filhos solares são grandes problemas. Um é um demônio solitário mesmo fazendo parte de uma matilha, outro, um humano falso, que tenta abafar a companhia que sempre carrega. Um vermelho, um azul. Ambos remendados e em rompimento.

    — Brie? — ele falou mais alto, meus pensamentos se afastando devagar. — Nós vimos o noticiário.

    Ace com certeza estava ali, naquele nós, paralisado com a desumanidade extrema que assistiu pela TV.

    — Kai fez aquilo? — o cuidado em cada pequena letra enchia meus olhos com o medo que eu acumulei todo esse tempo.

    O nó em minha garganta é cada vez mais apertado.

    — Nós não sabíamos o que fazer então trouxemos ele para a sua casa. Eu sei que a polícia pode chegar aqui a qualquer momento, mas…

    E todas as lágrimas vieram de uma só vez, escorrendo pelo meu rosto até o celular.

    — Como você está? Aconteceu alguma coisa com seu irmão? — disse, apressado.

    — Não, estamos bem, estamos todos com nossas pernas e braços no lugar. Mas aquelas pessoas… elas…

    Nicholas sussurrou algo do outro lado e a voz de Ace se espalhou pela ligação.

    Ace saberia o que fazer em uma situação dessas? Ele o iria segurar como ao lobo naquele dia, na floresta? Ele o defenderia ou o condenaria? Ele aceitaria o que fiz?

    — Brie, ainda está aí?

    — E-estou — disse, secando as lágrimas e tentando recompor a voz sem muito sucesso.

    — Tudo bem. O Kai levou mais alguém? Digo, para a cidade, alguém foi com ele?

    — Sim, mas ele não quer dizer quem são…

    Passos em agonia ressoavam do outro lado da linha, a voz de Ace reverbera como ecos.

    — Vai ficar tudo bem, Brie. Vá para casa — ele disse, enfim. — Obrigada por cuidar de nós.

    — Mas o Kai…

    — Brie? — a voz de Ace atingiu aquele lugarzinho em mim que eu tento fingir que não existe. A saudade que sinto dele se mistura agora com a agonia que é estar aqui, nessa cidade, nessa casa, com uma coisa-monstro assassina por quem sinto uma estranha empatia.

    Me sinto dissimulada, louca mesmo, por estar preocupada com Kai quando deveria correr para longe.

    — Estou com medo — sussurrei.

    — Eu também estou — sua voz é tão magicamente doce, mesmo quando parece que ele irá ruir. — Por favor, vá para casa, não saia de lá até que o Nicholas diga que resolveu as coisas.

    — Fique assim mais um pouco, por favor.

    — Ficarei aqui o quanto precisar, mas por favor não se envolva com outros monstros… Além de mim, é claro.

    Sorri.

    — Vou tentar — respirei fundo. Sinto que até mesmo as batidas do meu coração estão seguindo uma nova cadência. — É que essa cidade está tão cheia deles e alguns são tão bonitos. É meio difícil, sabe?

    — Brie? O que quis dizer com isso?
    Imagino como seria vagar por um mundo onde todos são respectivamente seus inimigos e sua fonte de vida. Deve ser muito fácil se sentir sozinho, perdido, muito fácil quebrar-se ou perder o controle sobre tudo e mesmo assim, mesmo sendo criaturas tão estranhas, moldadas pelo caos e lançadas ao mundo, eles ainda são tão humanos.

    Ambos, Ace e Kai, receberam a mesma maldição e a mesma mão estendida. Um a agarrou primeiro, mas a largou no caminho, outro, a segura firmemente. Um mantém o controle mas o rega com sangue, outro, o perde, mas mantém-se puro.

    Cada um, um mundo diferente, com possibilidades diferentes, mas incrivelmente iguais por fora.

    — Eu não disse nada.

    — Brie!

    — OK, OK, nós já estamos indo!

— Brie!

E nossas risadas ecoavam, como se o mundo estive inteiramente bem naquele instante infinito.

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⏰ Last updated: Apr 13, 2021 ⏰

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Verão Taciturno (livro dois)Where stories live. Discover now