Capítulo 27

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O dia começava a clarear quando Bastian se levantou da cama. Kate continuava dormindo de uma forma tão tranquila e serena que ele ficou com medo de acordá-la, então fez o menor barulho possível enquanto se vestia. Uma mecha dos cabelos dela tapava um dos olhos, ele tocou-a e a empurrou devagar para trás da orelha dela, mas mesmo assim ela se moveu assustada com o toque.

Kate era como um pássaro que havia permanecido tanto tempo engaiolado que agora que estava livre, às vezes não tinha consciência disso e agia em defesa própria com rapidez.

Ele ia tirar a mão do rosto dela quando ela sorriu e acariciou a mão dele, ao mesmo tempo em que vagarosamente abria os olhos.

Aquela cena parecia tão familiar e íntima que ambos ficaram embaraçados e tentaram negar o sentimento que tentava, sem sorte, acordá-los para a realidade.

– Eu vou para a cidade – ele disse, depois de pensar por um minuto. – Você vai ficar bem?

A frase saiu antes que ele percebesse que aquilo era a temida intimidade.

– Eu sempre fico.

Ela sorriu espreguiçando-se e se levantando. Andou alguns passos até a porta da varanda e abriu as cortinas, deixando o sol invadir o quarto e cegá-la, fazendo-a apertar os olhos. Finalmente deu-se conta que estava completamente nua e Bastian a olhava com uma expressão maravilhada, como se fosse a primeira vez.

Ele não entendia como era possível ficar a cada minuto mais enlouquecido por ela.

Ela quebrou aquele momento dizendo com uma voz arrastada:

– Sorte que eu fui até em casa buscar mais roupas. Ou não teria o que vestir. – Ela pôs a mão na cintura. Depois de uma pausa ela perguntou: – O que você tanto olha?

– Você está diferente esta manhã – ele afirmou com uma certeza que ela não compreendeu.

– O que está diferente? – Ela curvou uma sobrancelha em dúvida, mordendo o lábio.

– Tudo. – Ele se aproximou ainda sério, fixando os olhos na boca rosada. Tocou o rosto dela, contornando as linhas expressivas e em seguida puxou-a para dar-lhe um beijo profundo.

Depois de algum tempo, ele simplesmente a soltou e saiu, deixando-a consternada com aquele ato. Por que ele simplesmente não dizia o que queria dizer?

Não podia culpá-lo, ela também tinha medo de assumir que não queria sair dali. Mais medo ainda de assumir o motivo pelo qual não queria ir embora.

Aquela palavra sempre lhe causou horror e agora gritava em seus ouvidos incansavelmente, impedindo-a de descansar.

Bastian pela primeira vez em muito tempo tinha medo. Medo de todas as coisas que sentia quando estava com ela. Medo de deixar-se abater por aquele sentimento insano e cair no chão outra vez. Por que diabos, numa floresta tão grande, ela tinha que ir parar justamente em sua direção? Nunca acreditara no destino e por isso ele resolveu lhe pregar uma peça? Ela era tão independente e ríspida e, ao mesmo tempo, tão desprotegida e doce que, se pudesse, ele passaria todas as horas de seu dia com ela. Estava confuso, não sabia que direção tomar.

– Estou indo para a cidade, você vem? – Bastian perguntou a Daniel, que já estava de pé, lavando o rosto na sala de banho.

– Claro. Vai deixar a moça sozinha?

– Ela se vira. Vamos logo, tenho entregas a fazer – Bastian disse rispidamente, enquanto saía pela porta, deixando-a aberta atrás de si. Daniel saiu também e a fechou, subindo na carroça com Bastian.

Da varanda do quarto, Kate os observou desaparecer entre a mata fechada. Então se virou, lembrando-se que suas roupas estavam no primeiro andar – embora fizesse algum tempo que não era lá que passava as noites.

Pensando que mesmo estando sozinha seria estranho descer nua, ela vestiu a calçola e abriu o guarda-roupa dele, tirando uma camisa xadrez do cabide.

Ao vesti-la, o aroma dele exalou da camisa diretamente em sua pele. Abraçou-se, pensando que talvez uma parte dele estivesse presa ali, naquela peça de roupa. Suspirou com os olhos fechados e deu-se conta de como estava sendo tola. Logo sua expressão mudou totalmente enquanto abria a porta barulhenta e pesada.

Descalça, desceu as escadas e pegou todas suas coisas, levando-as para o quarto. Deixou ao lado da cômoda que ficava em frente à cama, não ousando guardá-las dentro de alguma gaveta, pois isso representava intimidade. E ela queria tentar fugir disso ao máximo, mesmo que estivesse seminua e usando uma camisa dele. Olhou em volta e observou aqueles móveis de madeira escura contrastando com os lençóis claros e a cortina transparente. A cama desarrumada a fazia lembrar-se dos momentos ardentes que compartilharam ali e lhe causava calafrios.

Ela percebeu que aquilo tudo parecia aconchegante demais, ao ponto de parecer que sempre estivera ali. Embora estivesse quente, um tremor a acompanhou e ela sentou na cama, esfregando os braços com um rosto preocupado. Tanto medo e confusão emocional estava começando a lhe dar náuseas. Sem mais conseguir conter-se, desceu correndo até a sala de banho.


LIVRO - Vidas Cruzadas - K. Corsiolli (versão não revisada)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora