Julho XII

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Ainda estava escuro quando acordei de supetão. Levantei o rosto meio sem querer ao perceber que a porta do quarto estava se fechando... Digo, alguém a estava fechando. Sander estava de bruços em cima do meu braço, então meus movimentos ficaram comprometidos. Não vi que horas eram. Só notei que estávamos, os dois, ainda sem roupas, a cama toda bagunçada e um lençol jogado de qualquer jeito sobre nossas pernas. Adormeci de novo uns dois minutos depois.

Quando abri os olhos novamente, a claridade da janela já me incomodava. O som que vinha da cozinha também: a empregada estava batendo algo no liquidificador sem o menor cuidado de ser silenciosa. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, porém, o telefone fixo tocou. Aquela coisa estridente deu um susto horroroso na gente; o Sander até pulou da cama, escondendo o rosto debaixo do travesseiro em seguida, tentando abafar o som.

Levantei, catei minha cueca no chão, coloquei a calça do moletom por cima apressadamente e saí bufando pelo corredor, tomando o cuidado pra fechar a porta atrás de mim.

Nelson Souza se encontra? – era a mesma voz feminina de antes. Isso me deixou ainda mais irritado.

– Não, e já falei que ele só volta na semana que vem! Não adianta ligar!

A pessoa do outro lado ainda ficou um tempo na linha depois que soltei os cachorros, ouvi um suspiro e uma espécie de risadinha. Daí ela desligou.

Da porta da cozinha, a empregada me olhava com os olhos arregaladas. Revirei os meus ao encará-la.

– Vai me dizer que você também não tava de saco cheio dessa mulher ligando pra cá nos horários mais inconvenientes possíveis?! – ela não respondeu, mas a expressão concordava comigo... E então ela olhou no relógio de pêndulo que tinha no fim do corredor. Meu pai adorava aquele troço gigante. Diz ele que é relíquia de família, mas nunca vi nada de mais... Ele agora marcava oito horas e vinte minutos. Exatamente o horário em que eu deveria estar entrando na sala de aula, me lembrei de repente. – Não vou ter aula hoje, ok? Já entreguei todos os meus trabalhos. Só preciso fazer a prova amanhã... pode checar no colégio se quiser. O número tá grudado na geladeira.

Ela ainda ficou me encarando esquisito, mas o som do sapato de alguém raspando no chão de madeira chamou nossa atenção. Meu coração parou por alguns minutos, pensando que meus pais haviam voltado de viagem mais cedo.... E então me lembrando que alguém tinha fechado a porta do meu quarto e, sem sombra de dúvida, me visto dormindo pelado com o gringo.

Será que tinha sido a empregada? Não, parecia ter sido antes dela chegar... Às seis da manhã já está relativamente claro. E ela teria falado algo, se assustado, expressado alguma coisa na hora! Certeza que pelo menos uma Ave Maria ela tinha entoado... Então não, não tinha sido ela.

Daí meu tio Fábio apareceu no corredor.

Pisquei, sem entender. O que ele estava fazendo ali?

A empregada voltou para a cozinha, dizendo que tinha preparado o chá que ele pediu. Nós dois ficamos nos olhando de longe até ele se aproximar a passos lentos, arrastando o tênis e fazendo aquele barulho de cortar os tímpanos. Seu cabelo estava totalmente bagunçado, tinha olheiras gigantescas e fedia a cigarro. Entendi imediatamente: meu tio tinha vindo direto da balada pra minha casa, talvez com medo da esposa dar uma bronca.

E obviamente tinha sido ele a fechar a porta do meu quarto e me ver deitado com outro cara.

– A noite foi boa? – tio Fábio desceu a mão no meu ombro, fungando, uma sobrancelha levantada.

Mantive o ar inexpressivo.

– A sua foi, pelo jeito.

Ele riu pelo nariz, me dando as costas e indo pegar o tal chá. Aproveitei o momento para voltar ao quarto e dizer ao Sander que não estávamos mais sozinhos. Ele não pareceu prestar muita atenção, só ronronou e virou para o outro lado enquanto eu prometia trazer nosso café da manhã para o quarto. Se fosse em outras circunstâncias, pensei, adoraria comer com ele na cama algo bem preparado, farto e tal. Com chantili talvez? Hmmm...

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now