Fevereiro III

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Meu irmão Rogério é o cara mais baladeiro que eu conheço. Ele não tem namorada nem nenhum grupinho de amigos pra se agarrar, então vive caindo na noite sem preocupação alguma. Ele deve conhecer todos os pontos quentes da cidade e todo mundo que organiza essas coisas, porque não sei como ele consegue, mas tem sempre algum lugar pra ir. Seja dia útil, seja final de semana.

Meus pais não são muito a favor de eu acompanha-lo, claro, mas o Rogs até que é gente boa e, pra me ajudar, diz que vai ficar de olho o tempo todo, que eles deveriam confiar mais no caçulinha da família, que se matava de estudar do jeitinho que eles queriam. A parte do matar de estudar era um exagero e tanto, convenhamos, mas de vez em quando funcionava.

Na segunda semana de Fevereiro, ele já tinha ido a umas trinta festas de calouros nas faculdades, sem brincadeira. Era quinta-feira quando ele veio me dizer, assim que cheguei do colégio, que tinha um convite sobrando pra uma dessas baladas de última hora dele. Até estranhei que ele não estivesse no estágio, mas disse que tinha "passado mal".

– Topa? É lá naquela boate que você e seus amigos costumam ir, quase na saída da cidade – ele perguntou. – Mas só tenho um convite. Se quiser chamar alguém, tem que ficar na fila e pagar entrada!

A boate era perto da casa do Dani, então liguei pra ele primeiro. Sei que o Daniel é o que menos sai, ainda mais em dia de semana, mas aquela era uma oportunidade única, né. Ele atendeu no terceiro toque, disse que tava chegando em casa ainda (eu me esqueço que ele mora a quilômetros de distância do colégio, enquanto minha casa fica a, sei lá, 500 metros do local) e que teria que ver com os pais dele se podia. Eles são meio conservadores, eu sabia, então resolvi tentar outra pessoa.

Ponderei. Não tava a fim de ouvir as piadinhas do Carlos, nem da convivência, pra falar a verdade. Pensei no JV e a mesma sensação esquisita bateu, então pulei ele na lista. Gustavo nem pensar, ainda tava meio sentido com o fim de semana anterior. O Felipe tinha aula de reforço até tarde, o Caíque morava do outro lado da boate praticamente... Tentei ligar pro Joel, mas ele não atendeu e meu irmão bateu na porta do quarto, me apressando.

– A fila anda, mano! Se tu não quiser, arranjo quem queira!

Voltei a ligar pro Daniel e ele ficou meio na dúvida se iria ou não, mas acabou cedendo de tanta pressão que eu botei – a voz do Rogério ao fundo também deve ter ajudado – e nós combinamos de nos encontrar lá na porta dali umas duas horas. Chegaríamos cedo mesmo, porque a festa tava marcada das seis à meia noite, já que era uma quinta-feira ainda.

A fila nem tava tão grande, então eu fiquei com o Dani pra ele poder comprar o ingresso pra entrar. Somos menores de idade, claro, mas ninguém exigiu coisa alguma quando ele chegou no guichê. Acho que, por sermos um bocado mais altos e mais musculosos que os caras da nossa idade, em parte por causa do futebol, ninguém desconfia que nem dezessete a gente completou ainda. Meu aniversário é só em julho, pra se ter uma ideia, mas meu tio, irmão da minha mãe e o mais chegado lá de casa, disse que eu tenho cara de uns vinte e poucos, do mesmo jeito que o Rogs.

Se não fossem as nossas roupas diferentes, ele disse que seríamos até confundidos por gêmeos.

– Nem exagera, tio – eu vivia dizendo. – Olha pra essa cara de cachorro estragado e vê se eu pareço com isso?!

Minha mãe odiava quando a gente inventava apelido um pro outro, eu e o Rogs, mas meu tio Fábio caía na risada. Ele era um meninão de trinta e tantos anos, gostava de sair pra farra com o Rogério, mas foi engravidar a namorada e acabou tendo que casar. Ele tá nessa vida há nove anos, a sorte é que meu priminho, Miguel, é um primor. Não sou fã de criança, só dele!

De qualquer forma, eu achava exagerada a comparação que faziam com meu irmão. O cabelo dele, por exemplo, era bem mais claro que o meu, beirando ao loiro. E ele usava cavanhaque! Eu odiava barba e essas coisas na cara, então tirava tudo no segundo em que aparecia. Meu cabelo era super escuro e eu o deixava sempre meio pra cima, arrepiado. O dele era uma pasta ensopada de gel porque não conseguia ficar igual o meu naturalmente. E eu sou mais moreno que ele, sem sombra de dúvida.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora