Março II

401 40 17
                                    

Eu tenho sorte do Rogério ser meu irmão, fala sério.

E de ser tão popular. Ele se infiltra em todas as festas que tem, conhece todo mundo que "há para conhecer", e consegue tudo o que quer. Ele me devia alguns favores, é claro, então não precisei explicar muito porque queria um par de ingressos pro clássico no dia seguinte. Ele estava saindo para a balada, inclusive, quando o encurralei e deixei bem claro que era questão de vida ou morte.

– Cê tá me zoando que quer o negócio pra amanhã? – ele se indignou. – São oito da noite, Renan! Não dá pra fazer mágica, não!

– Ah, eu tenho certeza que dá! Você é um mágico muito melhor que o Mister M.

Ele saiu pisando duro, sem falar nada, mas sabia que ia pelo menos tentar.

Era quase dez da noite quando ele me mandou a seguinte mensagem no WhatsApp:

Rogs: consegui os ingressos, mas é arquibancada inferior. Topa?

Renan: Sim, pega de qlqr jeito.

Em seguida, mandei a confirmação pro Sander. Ele não demorou nem um minuto pra me responder.

Sander: Meus pais deixaram. Disseram que nos levam ao estádio de carro se você preferir.

Renan: Pode ser. O jogo é as quatro da tarde, temos que estar lá mais ou menos às três. Quer que eu vá para a sua casa? Não fica longe da minha.

Sander: Sim! O endereço é esse.

Ele me passou tudo direitinho e combinei de subir para o apartamento dos pais dele às duas e meia do domingo.


Fazia um tempo que eu não ia a um jogo no estádio, então fiquei bem empolgado também. Meus pais implicaram com a saída, como sempre implicam quando tem jogo clássico por causa da violência e tal, mas eu nem escutei. Como a minha priminha "torta" estava em casa, eles fizeram vista grossa. Ela sempre ia lá pra casa no domingo, a Bárbara, a filha do meu tio Fábio na relação extraconjugal dele. Minha mãe meio que a protegia da Andressa, minha tia (oficial), a mulher do Fábio, e ajudava nas despesas da "outra" família.

Nunca entendi bem como funcionava esse negócio. Meu tio raramente via a filha dele, era como se ela fosse mais filha da minha mãe, aliás. A Vanessa, mãe da Bárbara, aparecia pra ir busca-la e ficava sempre batendo papo, mas era só tocar no nome do meu tio que as coisas desandavam. Ele tinha feito uma burrada, ela teve a menina, e agora eles não sabiam bem o que fazer com a situação. Minha mãe, de coração mole, prometeu pra Andressa que ajudaria, mas deixaria a Vanessa e o tio Fábio bem longe um do outro. Isso já vinha por sete anos, e tendia ao infinito.

Enfim. Subi pra casa do Sander de bermuda e uma camisa lisa, seguindo o conselho de não sair com camisa de time em dia de jogo de clássico. O pessoal exagerava mesmo nesse negócio de torcida, sempre rolava briga, às vezes até morte. Eu não me metia em nenhuma confusão, ia pro campo ver o jogo e não participar de torcida organizada. Sabe como é, né? Minha vida vale muito mais que o fanatismo do futebol!

Cheguei lá, toquei a campainha e esperei. Quem me atendeu foi o menininho sorridente da foto que eu vira no Facebook com o Sander no Rio, no carnaval. Ele desceu do elevador todo empolgado, dizendo que queria ir ao campo também. Logo depois, vi um homem de meia idade acompanhando o Sander até o portão onde eu estava – devia ser o pai dele, porque não parava de dar recomendações. Antes de chegar até mim, vi ele entregando uma nota de cinquenta pro Sander "comprar um lanchinho" no estádio.

– Você deve ser o Renan – o cara me cumprimentou. – Meu nome é Alfredo. E esse tagarela aqui é o Lucas.

Eu já tava imaginando, então cumprimentei o garotinho com um aperto de mão também. Ele fez uma cara de emburrado quando o pai o mandou subir de volta pro apartamento e fechou a porta na cara dele, coitado.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora