Maio I

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O cinema ficou na memória. E criou expectativas como ervas daninhas na beira de uma estrada.

Passei a segunda e a terça seguintes torcendo para a quarta-feira, dia primeiro de Maio, finalmente chegar – e pra que ninguém reparasse enquanto o Sander e eu almoçávamos juntos, ou tomávamos sorvete, ou simplesmente subíamos as escadas em silêncio, lado a lado. Mesmo nas trivialidades, mesmo sem trocarmos uma palavra (pessoalmente) sequer, a presença dele era muito forte perto de mim.

De noite, em casa, no alívio de não ter que nos preocuparmos com os olhares ou ouvidos alheios, nós conversávamos pelo Facebook e fazíamos planos para o feriado.

Combinamos de ir ao cinema de novo, dessa vez sem nenhum dos dois de fato chamar aquilo de "encontro" – era meio que óbvio e mutuamente tácito. Nós precisávamos dar nomes às coisas, eu acho. O problema foi que me esqueci de que, no feriado, numa cidade onde não tem outro tipo de lazer, o shopping é o lugar preferido das pessoas. Principalmente se o dia de folga é exatamente no meio da semana!

Daí, diferente do sábado anterior, na quarta-feira o cinema estava lotado. Os corredores, as lojas, a praça de alimentação, tudo apinhado de gente! Me arrependi no momento em que me aproximei do shopping, nem precisei entrar. Não seria um bom lugar para ficarmos à vontade...

O dia estava nublado, confortável e não muito quente. Eu tinha chegado uns dez minutos antes do horário marcado, então já aproveitei pra prevenir o Sander, ligando pra ele e dizendo que o lugar estava impossível. Por sorte, o gringo ainda estava em casa e perguntou, então, pra onde poderíamos ir – e se eu ainda queria sair com ele.

– É claro que quero! – enfatizei, quase gritando. Notei alguns olhares curiosos na minha direção e coloquei a boca pra abafar minha voz no telefone. – Só não acho que o shopping seja a melhor opção. É bem capaz de esbarrarmos em alguém conhecido por aqui...

Ele assentiu e eu ouvi a voz do Lucas pelo microfone do celular. Tive uma ideia:

– Quer ir lá pra casa? – eu sugeri. – Você pode levar seu irmão. Meu priminho ia adorar a companhia, e minha mãe vai ficar tão ocupada com os dois que nem vai nos perceber....

Ele deixou o telefone mudo enquanto conversava com os pais e voltou uns cinco minutos depois, perguntando onde exatamente eu estava, que eles passariam por lá e me pegariam. Concordei sem muita escolha e a família chegou em menos de dez minutos. Entrei no banco de trás do carro do doutor Alfredo e o cumprimentei, tendo o Lucas me cutucando pra dar atenção a ele em seguida. O menino tinha trago uma mochila com um monte de coisa, videogame e cartas, pra brincar com meu primo.

Sorri. Nós com certeza teríamos paz.

Meu irmão não estava em casa, meu pai estava dormindo e minha mãe sentara com o Miguel na sala pra ver um filme. Quando nós chegamos, ela até assustou, perguntando se não tinha acontecido algo, porque eu disse que só voltaria bem de noitinha. Era pouco mais das duas da tarde, inclusive.

– Shopping muito cheio – disse e já emendei as apresentações, sem deixar espaço para intimidades, porém.

Ela reconheceu o Sander do fim de semana, mas fiz questão que minha mãe desse mais atenção ao Lucas, que logo se enturmou com o Miguel de novo. Não deixei que ela conversasse muito com o gringo, pra não perceber que ele não era brasileiro e depois começar uma conversa interminável que, eu sabia, viria. No meio da conversa do Miguel e do Lucas com a senhora Fabiana, me esgueirei pro meu quarto e o puxei junto.

Meu quarto não é espaçoso; só tem uma cama, um guarda-roupa e uma mesa onde fica o computador e o resto das tralhas do colégio. Mas pelo menos tinha uma porta com trinco e, quando nós dois passamos por ela, era só isso que importava.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now