Março I

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No sábado depois do carnaval, no comecinho de Março, nós fizemos o segundo treino oficial. As meninas descobriram que a gente estava usando o campo no sábado à tarde e acabaram ficando para formar a plateia do treino. A Nat, a Isadora e duas meninas do terceiro, a tal da Ana do Rafael e uma amiga dela. Uns caras do primeiro vieram ver também, conversaram com o professor pra ver se podiam entrar pro time, mas o Carlos bateu o pé e disse que só como reserva e olhe lá. Cinco minutos depois, porém, ele voltou atrás:

– Se aquele ali – ele apontou pro Sander, que amarrava a chuteira num canto. – não aguentar, a gente vai fazer uma seleção. Então, bom, preparem as canelas porque não vai demorar muito!

Eles ficaram assistindo o treino o tempo inteiro, e desconfio de que também estavam dando em cima das meninas, então...

O Sander não melhorou em uma semana – claro que não, ele nem deve ter praticado, com o feriado, a viagem e etc. Ele pediu dicas pro Nasser, eu escutei, e o professor falou pra ele assistir bastante jogo na TV, praticar com a bola durante a semana se pudesse... Deu a dica que ele podia comprar uma pra jogar em casa, claro, num espaço apropriado.

É óbvio que o Carlos caiu matando na (fraca) desenvoltura do menino. A piada rolava solta, era motivo de risada geral. Me senti meio esquisito com aquilo tudo, mas não disse nada, fiquei na minha. Não queria confusão nem com o Carlos, nem com o Sander.

Só que o negócio não parou ali, pelo contrário.

O Carlos espalhou pra todo mundo o quão ruim o gringo era no futebol, virou o assunto da semana! O pior, porém, era que ninguém desmentia! Os gêmeos ficavam dando cotovelada no Sander toda vez que o assunto surgia, e riam feito hienas também, mas nada faziam pelo garoto.

O americano ia ficando cada vez mais retraído. No almoço, não abria a boca pra nada, não comentava, não participava. Entrava mudo, saía calado, escondido nas sombras dos outros.

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Na sexta seguinte, com a proximidade do treino, a zoação ficou mais forte.

– Preparado pra amanhã, gringo? – o Carlos bateu no ombro dele assim que nos encontramos pra ir ao restaurante almoçar. Eu estava bem atrás dos dois, andando devagarzinho. – Aliás, cê joga videogame? Devia jogar! Dá uma noção boa de como funciona o nosso futebol, saca?

Vi que o Sander ficou todo sem graça. Ele tem a pele toda clarinha, sem ser pálida nem nada, só clara mesmo. Cheio de pintas amarronzadas pelos braços. Vi que o pescoço dele enrubesceu na hora e tive vontade de quebrar a mão do Carlos.

Ele saiu rindo e o deixou pra trás, o Felipe e o Joel riram também, e notei um esboço de leve no Daniel. Abaixei a cabeça me sentindo furioso! Cara, eu nunca tinha me sentido assim antes! Perdi até o apetite e, pelo que vi, o Sander também não conseguiu comer muito depois daquilo não.

Não parei pra pensar nessa reação esquisita. Acabei voltando pro colégio na frente de todo mundo, meio chateado por motivo nenhum, e fiquei emburrado o resto do dia todo. Nem meu irmão me chamando pra sair me animou. Ignorei os caras no WhatsApp e no Facebook e coloquei uma música bem alta pra desestressar. Acabei adormecendo assim mesmo e minha mãe foi quem desligou o som, lá pras tantas da noite.

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Tudo aconteceu muito depressa depois dessa explosão repentina de emoções desconexas.

No sábado seguinte, depois de almoçar, eu fui o primeiro a chegar pro treino porque tinha ido em casa, e não ao restaurante. Minha mãe tinha feito a comida que eu mais gosto – lasanha! – e nem ia trocá-la por bife e batata frita que eu comia todo dia, né?

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now