Prologo

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Megan

Entrei em baixo da mesa da sala de jantar, abracei minhas pernas e abafei meu choro. De longe escutava os gritos da minha mãe:

- Meg é melhor você aparecer logo. Não vai resolver. Vou te achar. Quanto mais demorar, maior o meu ódio e você vai apanhar em dobro- ela gritava. Pela altura imaginei que estivesse perto.

Olhei para os meus bracinhos que ainda tinha vários hematomas do dia anterior.

Eu não tinha feito muita coisa. Sempre fui desastrada, como ela repetia todos os dias, e deixei cair um pouco de comida no vestido vermelho novo que meu pai comprou, depois que eu apanhei no dia anterior. Ele me garantiu que eu seria princesa se o vestisse.

Mas as princesas não tem braços e pernas machucados e não devem ser tão desastradas. Princesas não são imprestaveis como eu. Minha mãe sempre me lembrava.

- Megan, Megan. Seu pai saiu para beber de novo. Hoje ele não vai poder escutar seus gritos, então que tal você aparecer logo. Acabamos com isso e posso ir para o salão fazer minhas unhas. Com certeza você vai quebrar algumas delas. Você sempre quebra- sua voz agora era suave. Provavelmente ele já sabia onde eu estava. Só que a demora, aumentava meu sofrimento e ela gostava.

Juntei minhas duas mãos e fechei os olhos, encharcados de lágrimas. Eu não sabia muita coisa, afinal com cinco anos não se tem muito entendimento, mas pedi para Deus que me fizesse invisível nesse dia. Meu pai sempre me contava, nas raras vezes que ele não estava bêbado, que Deus era bom e que minha mãe não o conhecia.

- você sabe Meg que hoje é seu aniversário. Faz cinco anos que você acabou com a minha vida. Cinco anos que seu pai começou a beber, eu fiquei gorda por sua causa e você não reconhece. Só sabe fazer arte e me atrapalhar em tudo. Como a menina má que você é, vai receber o presente merecido hoje.

Ela estava perto, muito perto. Talvez até me olhando. Não tive coragem de abrir os olhos, mas senti sua respiração.

Minhas suspeitas se confirmaram, quando senti suas mãos me agarrando pelo braço e me puxando para fora. A força foi tão grande, que senti uma dor insuportável e naquele momento que ela me ergueu para o ar, tive meu primeiro osso fraturado.

- por favor mãezinha, eu juro que não faço mais nada, por favor....- gritei desesperada.

- se você não gritar, acabo mais rápido- ela me garantiu.

Então entrei no mundo de tristezas e esperei terminar. Naquele dia, ela estava com mais raiva que o normal. Eu não tive noção do tempo que fiquei apanhando, só da dor. Socos, tapas e quando ela já estava sem fôlego, me jogou no chão e deu alguns chutes também. Depois ela se foi para o salão consertar as unhas.

Não tinha ninguém em casa. Fiquei no chão, em cima de uma poça de sangue até apagar e ser levada por uma escuridão, que considerei meu melhor presente de aniversário.

As lembranças ainda são muito vivas, consomem minha memória todas as noites. Naquele dia, minha mãe quebrou meu braço e mais três costelas. Levei treze pontos em várias partes do corpo. Quando meu pai me encontrou, me levou para o hospital e como todo o dinheiro que tinha, comprou o silêncio de todos. Me trouxe para casa no outro dia. O último dia que o vi.

Minha mãe tinha saído e ele me olhou na cama com lágrimas nos olhos e me pediu perdão.

- sou um fraco. Não consigo mais te ver assim meu bebe. Não suporto mais ver você sofrendo- ele falou naquele dia.

- vamos embora então papai?- perguntei sorrindo. Ele sempre conseguia me fazer sorrir, mesmo com dor.

- um dia meu amor, logo. Eu venho te buscar. Vou arrumar um lugar lindo e bem longe daqui e venho te buscar- ele prometeu

Mas como sempre ele não cumpriu sua promessa.
Fiquei esperando, por anos, olhando da janela do meu quarto, de onde nunca saia. Ia para escola e voltava para lá. Não conversava com ninguém em casa e nunca brincava. Dessa forma, as surras eram menos frequentes e minha mãe só me batia quando algum dos seus novos namorados a deixava na mão.
Nessas ocasiões ela entrava sem dizer nada, me batia o suficiente para acabar com sua raiva e ia embora. Meu pai não estava mais para cuidar dos meus machucados. Eu o odie por isso.
Aprendi sozinha a fazer alguns curativos e com sete anos já conhecia os melhores analgésicos.
Curava todas as feridas sozinha. Os empregados da casa eram proibidos de me ajudar, só podiam me alimentar e me levar a escola.
Meu pai nunca mais apareceu. Suas coisas sumiram de casa e minha mãe nunca mais falou sobre ele. E eu cansei de olhar pela janela. Ele não ia voltar.

Me apeguei ao que mais eu amava, a escola e meus amigos. Eles eram tudo que eu tinha. Se precisasse me matar por eles, eu faria.

Até exagerava muitas vezes, querendo que nunca eles se magoassem e dessa forma perdi até uma grande amiga, pensando em ajudá-la, acabei fazendo com que me odiasse.

Encontrei nas aulas de dança outra paixão, onde me entregava sem limites.

Em casa tinha um diário onde escrevia todos os dias. Um caderno era meu amigo.
Eu achei que nada pudesse ficar pior, quando completei dezesseis anos, minha mãe trouxe um dos seus namorados para morar em casa e em uma noite ele entrou no meu quarto e enquanto eu dormia tentou me violentar. Minha mãe tinha saído e quando a empregada chegou, eu já estava sem roupa, amarrada e amordaçada. Ele não não conseguiu terminar o que pretendia, mas seu cheiro de cigarro, suas mãos grossas passando pelo meu corpo, são tão presentes, que me tiram o sono, na maioria das noites.

Aquele dia, peguei algumas roupas que tinha, coloquei em uma mochila e fui embora de casa. Sem rumo, sem dinheiro e sem sonhos.

Naquele dia deixei tudo para trás. Todos os sentimentos bons e os ruins. Aprendi a sorrir, sem sentir nada. Beijar sem emoção. Aprendi a mostrar para o mundo que eu estava bem. Ninguém saberia de nada, afinal meus sentimentos nunca importaram.

Aprendi a viver sozinha e acima de tudo a nunca mais me apegar e amar ninguém. Esses sentimentos não foram feitos para Meg Failem.

O doce sabor do desejo (degustação )Onde as histórias ganham vida. Descobre agora