A janela em frente

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Todos têm seu primeiro amor, muitas garotas se apaixonam fácil, a maioria por beleza, outras por personalidades, eu, bem, eu me apaixonei por uma possibilidade, a possibilidade de ter tido um encontro destinado e escrito, a possibilidade de ele ser a pessoa perfeita. Aqueles olhos me enfeitiçaram, eu estava imergida naquela profundidade.
- Tem alguma coisa na minha cara?
Ele tentou limpar uma sujeira inesistente.
- Ah! Não, é so que... - ele me encarou e eu procurei uma desculpa, então eu vi, duas desculpas - suas orelhas...
Ele olhou para cima. E as tocou, duas orelhas peludas e fofinhas no alto de sua cabeça, elas se mexeram.
- Ah! Esqueci de mudar! Espera, você nunca viu orelhas assim?
- Não! Quer dizer, já, mas não em pessoas.
Ele estreitou os olhos.
- Você é de onde?
Eu fiquei nervosa e mexi em minhas pontas azuis diversas vezes, rezando por uma salvação. Ela não veio.
- De... de... mmmm.... De fora!
Eu gritei e sussurrei ao mesmo tempo, sei que parece impossível, mas não existe impossível ( a não ser que você queira transformar uma pedra em gente, apesar que...).
- Você veio de que cidade?
Eu retorci minhas mãos nervosa, por estar falando com uma pessoa que não era uma pessoa e por não saber se devia mentir ou dizer a verdade.
- De nenhuma. Eu... eu vim de fora das cidades, eu... eu sou da Terra.
Ele se debruçou ainda mais sobre a janela, apoiando a cabeça sobre o parapeito, ele deu um sorriso sedutor, e seus olhos brilharam.
- Então você veio daquele lugar. Diga-me, qual a sua raça.
- Não se- me disseram que sou meio-alf.
Ele apoiou o queixo sobre o punho, as orelhas brancas abaixaram.
- Deve ser por sua aparência. Alfs são extremamente sedutores sabia? São as criaturas mais belas e exóticas da natureza, já foram adorados como deuses.
Meu rosto queimou, eu nunca tinha me achado bonita, e somente Dara e Annie já disseram que eu era, por isso acreditei que não era, mas ele parecia dizer que eu era como uma criatura exótica e bela, mesmo estando em estado pós choro.
- Sabe, é muito difícil descobrir a metade de um mestiço, mas a aparência pode dar dicas. Qual o seu nome?
Eu senti muita vontade de dizer meu nome verdadeiro, queria ouvi-lo dizer, e eu quase disse.
- Maika, Maika Sellivard.
- Maika... - Ele me olhou, o máximo que a janela permitia - Não combina com você. Posso te dar um nome?
Eu acenei levemente. E ele se levantou
e pensou um pouco, então sorriu e se voltou novamente para mim.
- Não vou dar agora, preciso te ver melhor. Por enquanto vou te chamar A. Meu nome é Shun Aitsune, é uma honra conhecê-la A.
Eu sorri, ele era meio engraçado em seu jeito sereno e esperto.
- Seu sorriso é melhor que seu choro. Minhas orelhas gostam de seu sorriso, mas seu choro as atormentou.
Fiz uma careta por ele falar da minha baixa, mas logo juntei-me a ele em risos. Me apoiei no parapeito, como ele tinha feito mais cedo.
- O que você é?
- Sou um descendente de raposa, uma criatura da cultura oriental.
- Ah, por isso as orelhas.
Ele acenou.
- Essa não é minha forma completa, mas é o máximo que consigo.
- Forma?
- Raposas podem assumir a forma de um homem, ou mulher, de raposa em qualquer idade.
- E qual a sua verdadeira forma?
- A de uma raposa. Mas demora para dominar a transformação e eu fico a maior parte do tempo como humano.
- Você tem que idade?
- Dezessete. Não posso mudar de gênero ou idade.
Eu sorri.
- Porque?
- As raposas vivem muito tempo, algumas milênios, e demora muito para conseguir dominar todos os poderes.
- Você acha que vai viver quanto tempo?
Ele olhou para além de mim, pensando. Aproveitei para saborear mais um pouco aqueles olhos, a perfeição deles era incrível, mesmo de cores diferentes eles combinavam mais que um arco íris.
- Não faço ideia, mas viverei ao menos duzentos anos.
- Deve ser incrível ter tanto tempo para aproveitar tudo.
Ele deu uma gragalhada profunda.
- Nem sempre, mas em geral é bom mesmo. Vampiros também vivem bastante, mas precisam de sangue, já as raposas apenas vivem.
- Devem existir muitas.
- Na verdade não, por viver tanto tempo demoramos muito para escolher um parceiro e nos reproduzirmos, meu pai tem cento e quarenta e oito anos e minha mãe cento e vinte e dois, sou o primeiro filho e provavelmente o último.
- Então vocês são raros.
- Pode-se dizer que sim. Somos tão poucos que nem possuímos uma cidade própria. E além de minha família somente mais uma vive nesta cidade.
Apoiei meu queixo sobre a mão.
- Então deve ser um pouco solitário ser uma raposa.
Ele riu.
- Bom, se fôssemos muitos eu não estaria aqui conversando com uma meio alf e apreciando. A maioria das espécies tem preconceito com mestiços.
- Porque?
- Para eles a pureza é tudo.
Eu suspirei. Eu não acho que eu seja mestiça, apenas não sei o que sou.
- Chegou aqui a quanto tempo?
- Esse é meu segundo dia.
Ele pensou um pouco.
- Então não deve ter amigo algum. Muito menos conhecer o lugar ou as regras.
Afirmei. E ele ficou radiante.
- Então conte comigo! Uma mestiça e uma raposa... Isso parece interessante.
O sorriso que ele me deu fez meu coração derreter.
- Amanhã nos encontraremos novamente. Mas no quintal. Pela manhã.
Confirmei e ele se despediu e saiu da janela e de minha vista. Eu fiquei encarando a sala por um bom tempo e então me joguei na cama, o sol já estava se pondo e Britta devia estar voltando da loja.

◇•°•◇

Britta transformou duas saladas em macarrão e almôndegas. Estava muito gostoso.
- Então, leu sobre quais espécies?
Meu coração apertou com a vontade de mentir que senti.
- Eu não li.
Os olhos cinzentos dela me encararam com curiosidade, não com resignação, aquilo me aliviou profundamente.
- Eu acabei conversando com o Shun.
Ela riu alto, riu muito, muito alto.
- O filho dos Aitsune conversou com você?!
Eu me senti desconfortável com a reação dela e mexi meu macarrão me concentrando nele ao máximo enquanto confirmava.
- Aquele garoto nunca falou com ninguém, nem me disse um oi enquanto eu estava na casa dele e você me diz que ele conversou com uma estranha! Surpreendente! Sabe quem tinha essa habilidade também? O seu pai, ele conseguia fazer todos se encantarem por ele, dizíamos que ele era o filho do cupido, todos amavam ele.
- Eu não fiz nada. Ele que falou primeiro.
Eu falei com um bico, eu estava envergonhada, o que só fez Britta rir ainda mais.
- Isso é bom. Você não sabe como será vantajoso você ser próxima a uma raposa na Unique.
- Eu não sou próxima dele!
- Se ele falou contigo é porque quer se aproximar. Aproveite e faça um amigo, vai precisar de um na Unique.
Meus olhos brilharam entendendo o que ela estava dizendo, sei que ela percebeu minha súbita empolgação, mas no momento eu não tinha notado.
- Ele estuda na unique?
- Umhum. E é um dos queridinhos, por ser uma raposa.
Ela começou a falar sobre ranking de espécies na Unique, mas eu não escutei, estava pensando em como seria estudar com Shun, então fiquei empolgada com o teste e resolvi que daria meu máximo.

Cidade de Magia - Marcada por EspinhosWhere stories live. Discover now