Dois dias antes da chave (parte II)

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Assim que terminei de doar o máximo de sangue que me permitiram e me recuperar de uma fraqueza entrei no apartamento de Annie, ela tinha ataduras na cabeça um tubo dentro do braço dela, um tubo com sangue. Ela estava dormindo, a mãe dela não parava de chorar, o pai estava conversando com o médico. Pelo visto a cirurgia que ela tinha passado não era suficiente, ela ainda faria alguma coisa no tórax, teve alguma coisa além da batida forte na cabeça, eu vi que a barriga dela também estava enfaixada e ela estava anêmica, Dara tentava confortar a sra. Stanfield, mas ela não parava de chorar. Minha mãe estava estranha, ela estava séria demais e pensativa. Peguei a mão de Annie e apertei, pensei se seria possível eu enviar alguma energia ou força para ela, acreditei naquilo de todo o coração e me concentrei em tentar fazer alguma coisa.
- Rya?...
A voz foi fraca, mas eu escutei como se fosse um grito.
- Annie? Tudo bem? Você consegue falar? Sente alguma coisa?
As duas no sofá se levantaram juntas e se aproximaram.
- Meu anjo, está tudo bem. Você vai ficar bem.
A sra. Stanfield acariciou os cabelos de Annie tremendo, mas ela não olhava para a mãe, ela olhava para mim.
- Rya, era você! Ele queria você! Mas não vá. É perigoso, não vá!
Os aparelhos apitram alto e os olhos de Annie se voltaram para cima, ela estava me deixando. Não! Médicos entraram e nos obrigaram a sair. Do lado de fora eu finalmente chorei, não foi nenhum pouco bonito, eu gritava, gemia, suspirava, tinha muitas lágrimas e muco.

◇•°•◇

Depois de quatro horas uma enfermeira disse que a cirurgia ainda iria demorar, que tudo estava ocorrendo como previsto e que ainda haviam riscos, mas eram pequenos. Só fui embora quando meus olhos doíam, estava com dor de cabeça e o hospital começou a me incomodar. Nunca gostei de hospitais, meu pai havia morrido em um e minha avó também, Dara disse que eles estavam muito doentes, não lembro qual era a doença,  e desde sempre fui muito grata por nunca ter sido obrigada a ficar em um por mais de uma hora, até aquele domingo.

◇•°•◇

Quando cheguei em casa fui banhar e coloquei a roupa para lavar, só agora tinha percebido que estava de pijama o tempo inteiro. Liguei para a sra. Stanfield e ela disse que a cirurgia estava acabando. Não consegui me acalmar, andei pelo quarto, depois pela casa até que resolvi dar uma caminhada. Eu estava na praça da cidadezinha em que morava quando comecei a me perguntar o que Annie tinha dito. Ele queria você e é perigoso, quem? Annie tinha sofrido um acidente de carro e não encontraram o motorista, não estava com os pais nem comigo então ela deveria estar com o carinha novo, então era ele! Ele tinha causado o acidente e fugiu, porque ele queria a mim! Meus olhos ficaram do tamanho de duas bolas, ele me queria para alguma coisa e algo perigoso, e se ele fosse um psicopata e quisesse me matar? Já tinha visto documentários sobre psicopatas que se fascinavam por uma vítima e destruíam tudo e todos a sua volta. Eu não queria ser uma vítima.
Voltei correndo para casa observando todos no caminho com medo de o carinha estar por perto, um casal, mãe e filha, um velho, duas adolescentes, várias crianças brincando, uma solteira, cara suspeito, a velha dos cachorros, espera! Eu parei abruptamente e me virei, tinha um homem enorme de capuz preto virado para mim, o pavor se espalhou pelo meu corpo. O novo carinha da Annie não era daquele tamanho. E se ele tivesse companheiros psicopatas? Ele começou a vir na minha direção e eu disparei a correr, talvez tivesse a velocidade de um antílope, nunca tinha corrido tão rápido na vida, cheguei em casa e encontrei minha mãe olhando a janela atrás das cortinas.
- Mãe, o que foi? Tem alguém lá fora?
Eu falei bem baixinho como se pudessem nos escutar ou tivesse algum grampo na casa.
- Mãe, acho que estava sendo observada. Será que me seguiram?
Ela me encarou arregalando os olhos, ela saiu da janela e me segurou pelos ombros, depois começou a me apalpar como os policiais fazem em suspeitos.
- Mãe, porque está fazendo isso?
Ela terminou, satisfeita e pegou a revista dela e uma caneta e começou a escrever em alguma parte.
Não fale nada estranho, haja normal. Tem coisas que preciso te contar, mas não posso. Escrever também é perigoso. Quero que arrume uma mochila com coisas essenciais. Amanhã se vista como se fosse para a escola e leve essa mochila.  Eu vou te levar. Não fale nada anormal em voz alta. Farei o possível!!!!!!
Tinha muitas exclamações e aquilo só me deixou mais assustada e preocupada, mas eu obedeci. Talvez falar em códigos também fosse perigoso por algum motivo. E apesar de toda aquela loucura escrita eu obedeci, algo me impulsionava a aquilo. Coloque escova de dentes, roupas, meias, escova de cabelo, caneta e um bloquinho na mochila, acrescentei pasta de dentes e alguns remédios de dor de cabeça, andava sentindo muitas há alguns meses.

Cidade de Magia - Marcada por EspinhosWhere stories live. Discover now