Capítulo dezessete

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Levantei-me de repente e comecei a andar em círculos pela sala. Quando Mathias apareceu no alto da escada, eu corri até ele e o abracei forte, muito forte. Ele não esperava por isso. Ficou surpreso, assim como Stevie e Rose. Eu mesma não esperava por isso. Ficar abraçando as pessoas não era muito o meu estilo. Mas ainda assim, lá estava eu, abraçando Mathias com toda a força que havia em meu corpo.

— Diga-me que ele está bem − ordenei, recusando-me a aceitar quaisquer outras palavras.

— Ele está bem − assegurou-me, afagando-me os cabelos com delicadeza. Eu não percebi que estava chorando até ele secar uma de minhas lágrimas. — Fique calma. Ele ficará ainda melhor depois de uma noite tranquila de sono. Não sabemos muito bem o que aconteceu, mas Gael engoliu um bocado d'água e tem alguns ferimentos na cabeça. Mas ele está bem... E quer ver você − eu assenti repetidas vezes, parecendo uma maluca com aqueles trajes, o cabelo desgrenhado, a maquiagem borrada por minhas lágrimas. Bem, quem se importa?

Quando cheguei ao quarto de Florenza, ela estava em pé em seu closet, selecionando algumas roupas bem elegantes que, pasmem, tratavam-se de suas camisolas. Ela me chamou com um suave movimento de seu dedo indicador e eu me aproximei. Ela sorriu de forma carinhosa e vendo o meu desespero, indicou Gael, que estava deitado em sua cama, com um movimento de cabeça.

— Gael está bem, Mia! − assegurou-me, secando minhas lágrimas. — Ele queria vê-la, mas acabou pegando no sono. Ele precisará de alguns cuidados essa noite, caso sua temperatura suba demais. Deixei alguns panos umedecidos ao lado da cama e pensei que talvez pudéssemos revezar − eu a interrompi.

— Não há necessidade. Ficarei com ele a noite toda − ela me olhou de cima a baixo e com certeza a minha aparência não inspirava confiança.

— Você tem certeza? − questionou-me, com uma sobrancelha erguida.

— Absoluta − respondi sem hesitar. Ela assentiu e estalou a língua duas vezes antes de continuar. Eu até que já estava me acostumando com ela.

— Bom, você é quem sabe. Se precisar de qualquer ajuda, é só chamar alguém − ela já estava saindo quando se virou para mim novamente. — Vou pedir para Rose olhar Gael enquanto você toma um banho e veste roupas secas − eu estava prestes a contradizê-la quando ela continuou. — Deitar-se ao lado dele dessa maneira não lhe fará bem algum − e sem esperar resposta, Florenza saiu.

Durante a noite inteira, eu fiquei ali deitada ao lado de Gael, contornando, secretamente, os traços de seu rosto. Sua temperatura se manteve estável a maior parte do tempo. Vez ou outra eu cochilava um pouquinho, com a cabeça em seu peito, mas não durava muito. Eu acordava em seguida, assustada e preocupada, e voltava a conferir sua temperatura novamente. Já estava na hora do almoço quando ele despertou, se queixando de dor de cabeça.

— Vou pegar analgésicos para você. E também algo para comer − antes mesmo que pudesse sair da cama, ele segurou minha mão, impedindo-me.

— Eu tenho tanto para te dizer − sussurrou, com um sorriso cansado nos lábios. Eu me aproximei dele e passei a mão por seu rosto. Sorri.

— Não faltarão oportunidades – garanti. — Você já esperou tanto tempo... − lembrei-o, usando a frase que outrora ele usara. Naquele momento eu não havia entendido, agora, no entanto, fazia todo o sentido. Como não entendi antes? — Pode esperar mais um pouco, não é?

A cozinha da casa de Florenza é o sonho para qualquer amante da culinária. O amplo espaço de azulejos brancos é todo iluminado e tem incontáveis acessórios pendurados por todos os lados. Havia uma bancada de mármore preto onde um tabuleiro cheio de biscoitos parecia esfriar. Roubei um dos biscoitos, assoprei algumas vezes e o mordi. O sabor ainda quentinho de maçã com canela explodiu como uma festa assim que entrou em minha boca. Deus! Eu não havia percebido como estava com fome...

Separei alguns biscoitos para levar para Gael e aproveitei para lhe fazer um sanduíche também. Eu estava concentrada, cortando uma fatia de queijo com cuidado, quando senti um par de mãos se apossar da minha cintura. Virei-me abruptamente, largando a faca e levando a mão ao peito e me deparei apenas com um Stevie sorridente e zombeteiro. Estapeei seu peito inúmeras vezes, até por fim me render e cair na gargalhada. Passar toda a noite ao lado de Gael, permitindo-me apenas breves cochilos, havia me deixado exausta. Rir um pouco com certeza ajudava.

Quando as risadas cessaram e o silêncio instalou-se entre nós, Stevie me encarou de uma maneira estranha e a sensação que percorreu o meu corpo não foi muito agradável. Eu o conhecia bem demais para saber que ele estava se preparando para revelar algo ruim ou estava se sentindo mal por haver escondido algo de mim. Cerrei os olhos.

— O que quer que seja, desembucha, vai − pedi, virando-me e seguindo até a parte dos armários. Abri todos, um a um, até encontrar aquele onde guardavam os copos. Com dois copos em mãos fui até a geladeira e peguei uma caixa de leite. — Estou esperando! − pressionei, enquanto servia dois copos de leite.

— É que... − enrolou. — Bem, você deixou isso com a Rose − ele me estendeu o envelope preto que Théo me entregara na noite passada e de repente um frio me percorreu a espinha. Estiquei uma das mãos para pegar o envelope e engoli em seco.

— Obrigada − murmurei, voltando minha atenção para os copos, agora cheios de leite. Organizei-os em cima de uma bandeja sob o olhar atento de Stevie. Eu já estava quase saindo da cozinha quando sua voz me alcançou.

— Se quiser conversar, estarei no quintal − eu apenas assenti e sorri em agradecimento.

Talvez eu devesse abrir aquele envelope junto a Stevie. E também a Rose. Talvez até mesmo junto a Gael. O que quer que fosse que estivesse dentro daquele envelope, não podia ser coisa boa. Não vinda de Théo. Eu precisaria de algum tipo de apoio, isso era óbvio. Mas eu sentia que aquele envelope deveria ser aberto e visto apenas por mim.

Depois de haver alimentado Gael e deixado Rose cuidando dele, fui para a enorme sala da casa, que estava vazia. Sentei-me no chão, atrás do enorme piano de cauda e encarei o envelope em minhas mãos. Eu podia ouvir os meus batimentos cardíacos preenchendo os meus ouvidos de maneira assustadora. Estiquei as pernas e olhei para os meus pés, tomando um baita susto, pois quase não os reconheci. Eles não pareciam os pés hidratados e bem cuidados da famosa escritora Mia Prescott. Pareciam os pés cansados, surrados e machucados de uma guerreira. Estiquei bem os dedos dos pés, separando-os e estalando-os. A noite no salto alto e a corrida descalça pelas ruas haviam cobrado o seu preço. O mais assustador é que eu gostava do meu recém-adquirido par de pés.

Encarei o envelope preto repousado em meu colo e respirei fundo. Eu estava com medo de seu conteúdo. Voltei a encarar os meus pés e subitamente fiquei um pouco mais tranquila. Não pelos meus pés, realmente, mas pelo o que eles representam. Pela mudança; pela transição; pelo meu novo eu. Respirei fundo mais uma vez e...

F

Ponte de cristal (degustação)Where stories live. Discover now