Capítulo seis

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        Ele não parecia feliz e nem saudável. Seu cabelo estava despenteado, seus olhos estavam vermelhos e tinham bolsas roxas enormes, sua roupa estava amassada e seu olhar estava... Bem, ele estava puto. Muito puto... Comigo! Respirei fundo e quando tentei dizer seu nome, ele me interrompeu com um gesto nada amigável. Ele atirou um envelope aos meus pés, o mesmo envelope que me fez voltar para a Capital. Eu estava louca para abri-lo, mas sabia que tinha que lidar com o meu melhor amigo antes.

–   Você podia ter me contado - ele disse, com uma voz estranhamente distorcida pela raiva.

–   Você tentaria me impedir - esse foi o único motivo para eu não ter contado. Ele assentiu, um movimento quase imperceptível.

–   É claro que sim! Isso é loucura. Você está louca, Mia. Louca! O que você esperava fazer com todas essas informações? Encontrar o desgraçado e tirar essa história a limpo? Ou você pretendia matá-lo? Ou não... Espere... Você pretendia desculpá-lo por tê-la estuprado e começar um romance com ele? - aquelas últimas palavras trouxeram lágrimas aos meus olhos. As lembranças, por mais confusas que fossem, eram dolorosas demais. Stevie era o meu melhor amigo e aquilo era golpe baixo. Respirei fundo para não deixar as lágrimas caírem e consegui dizer as únicas palavras que poderiam ser ditas naquele momento.

–   Saia da minha casa. - ordenei, encarando-o nos olhos. Ele passou a mão pelo cabelo, despenteando-o ainda mais. Ele parecia inquieto, desesperado.

–   E-eu... - gaguejou, parecendo mais do que nervoso – Eu... Não quis dizer isso, você sabe. Mas eu fiquei preocupado, porra! Dormi todos esses dias na sua casa, esperando ter alguma notícia, qualquer coisa... Eu cheguei a pensar que nunca mais a veria e que... - eu o interrompi.

–   Isso não lhe dá o direito de me machucar dessa forma. - ele veio até a mim e fez menção a um abraço. Imediatamente o afastei.

–   Eu sinto muito, Mia. Não quis dizer aquilo... Eu só estou irritado e um pouco bêbado, talvez.- eu reparei em seus olhos vermelhos assim que o vi, mas não imaginei que isso pudesse ter alguma relação com o álcool.

–   Tudo bem, Stevie. - eu disse, embora ainda estivesse com os olhos cheios d'água e um aperto no peito – Que tal conversarmos depois? Eu preciso de um tempo sozinha e você precisa descansar...

          Ele pretendia discutir comigo, eu sabia disso, pois o conhecia como ninguém. Mas ele também me conhecia e percebeu que o fato de eu ter simplesmente seguido em direção ao banheiro sem dizer mais nada, significava que não adiantaria insistir. Liguei a torneira da banheira, que jorrou água como em uma mini cascata e sorri com a lembrança da madrugada passada. Afastei esse pensamento rapidamente, coloquei os meus sais de banho na água e por fim comecei a me despir.

          Eu estava nua diante do espelho, encarando-me em silêncio enquanto o barulho da água que enchia a banheira alcançava os meus ouvidos. Apesar de aquele reflexo me dar a impressão de pertencer a outra pessoa, eu gostava dele. No espelho tudo o que eu via era uma mulher forte e determinada que superou as dificuldades e realizou todos os seus sonhos. O meu reflexo já não me mostrava a mulher amargurada e ressentida na qual eu acreditava haver me tornado. Ele me mostrava uma mulher guerreira, disposta a dar início a sua vingança sem medo. Quando pensei em minha vingança, algo despertou dentro de mim. Corri até o meu quarto e no chão estava ele... O envelope que continha as respostas que eu desejava.

          Ajoelhei-me sobre o assoalho de madeira e não precisei abrir o envelope, pois ele já estava aberto. Não havia novas fotografias e tampouco detalhadas descrições. Tudo o que havia naquele envelope era uma folha branca e um pedido de desculpas por parte do profissional que eu havia contratado. Ele me pedia desculpas por HAVER SE ENGANADO EM SUA INVESTIGAÇÃO e me dado INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O THÉO, pois o homem do qual ele havia me dado informações tratava-se DE SEU IRMÃO GÊMEO GAEL. Havia uma voz em minha mente lendo cada linha do que estava escrito naquele papel e essa voz parecia gritar comigo. Certo. Então quer dizer que o Théo, digo, Gael, estava dizendo a verdade. E segundo ele, eu precisava desvendar outras coisas sobre o meu passado. Mas o que me atormentava naquele momento e com certeza tiraria o meu sono era... Que coisas eram essas?

Ponte de cristal (degustação)Where stories live. Discover now