Capítulo dez

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Quando chegamos à casa de Gael já estava bastante escuro. A precária (eu diria inexistente) iluminação de Midsy tornou a nossa caminhada um pouco mais difícil. Quando chegamos à porta da frente, eu só conseguia pensar em tomar um bom banho gelado, colocar os pés para cima e comer algo bem grande. Gael, no entanto, nos fez parar e ficar em silêncio. Pude perceber pela maneira como seus músculos se retesaram e pelo braço forte que insistia em me manter atrás dele, que algo estava errado. Ele tirou um revólver (que mais tarde eu saberia se tratar de uma pistola, na verdade) do cós da calça e me entregou. Rapidamente, tirou uma faca que estava presa em sua panturrilha por baixo da calça e me fez acompanhá-lo até a parte de trás de sua casa, com passos lentos e silenciosos.

Eu não sabia o que fazer com aquela arma, mas imaginei que se a coisa ficasse muito feia, eu deveria apenas puxar o gatilho. Gael não me daria uma arma se eu precisasse fazer muito mais que isso. Ou assim eu esperava. Contornamos a casa em um silêncio agonizante e desesperador, meu batimento cardíaco estava tão acelerado que eu podia senti-lo preenchendo todo o meu peito e chegando aos meus ouvidos. Minhas mãos tremiam e eu pensei que se precisasse usar a arma, seria um caos.

Alcançamos a parte de trás do terreno e a escuridão pareceu nos devorar imediatamente. Se uma das mãos de Gael não estivesse espalmando minha barriga suavemente, eu provavelmente não o enxergaria mais. Ouvimos um estrondo e de repente um vulto nos atingiu. Eu caí de bunda no chão e Gael parecia travar uma pequena luta com o desconhecido. Ouvi um novo baque e apalpando silenciosamente o chão, constatei que se tratava da mochila de Gael. Rapidamente procurei a lanterna que havíamos usado há alguns instantes. Eu não poderia atirar sem enxergar para onde eu estava apontando. Alcancei a lanterna e por fim iluminei a briga travada diante de mim. Percebi que o estranho não se tratava de um inimigo, mas sim de Mathias.

— Mathias! − eu gritei na esperança de que ele olhasse para mim e percebesse que não éramos invasores e que Gael constatasse o mesmo ao ouvir o nome conhecido. Por sorte o plano deu certo e eu nem precisei atirar em ninguém.

De banho tomado e devorando um delicioso sanduíche com recheio de sabe-se lá o que, Gael e eu parecíamos dois mortos de fome enquanto conversávamos com Mathias. A verdade é que só o escutávamos, soltando um hum ou ah de vez em quando. Eu não estava prestando muita atenção, confesso. Mas quando a comida parecia finalmente ter chegado ao meu estômago e eu não comia mais feito um animal, comecei a escutá-lo com mais atenção.

— Bem, eu vim aqui porque as coisas estão estranhas − ele disse, com um leve sotaque que eu não havia reparado antes. — Um cara igual a você − ele apontou para Gael, que agora também prestava atenção – apareceu na tela de anúncios da praça para dizer que a Capital e o Estado seriam vigiados por câmeras e que aconteceria o mesmo com as localidades do interior em dois meses. E hoje pela manhã, um monte de homens uniformizados veio até Midsy.

— E o que eles queriam aqui? − eu perguntei finalmente saciada.

— Eu não sei direito − sua expressão é de total preocupação, o que não combina em nada com seu jeito descontraído e alegre de caipira. — Minha avó voltou para casa um pouco antes de eles baterem na nossa porta e ela parecia desesperada. Ela só disse: "Vai embora, meu filho. Se esconda e não deixe eles pegarem você." E é o que eu tenho feito o dia todo. Saí de casa apenas com a roupa do corpo e alguns pães que minha avó tinha preparado pela manhã. Vim para cá na esperança de encontrar você, Gael.

— Precisamos descobrir o que exatamente eles estão fazendo aqui. E por que sua avó mandou você se esconder − Gael parecia imerso em pensamentos. Seus olhos verdes brilhavam e eu sabia que ele estava bolando algum plano.

Ponte de cristal (degustação)Där berättelser lever. Upptäck nu