Capítulo cinco

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          Nós andamos em silêncio por longos dez minutos. Eu vestia apenas uma camisola de renda branca bem justa no busto e soltinha no corpo, que não chegava nem ao meu joelho. Eu queria voltar para a casa e me enfiar novamente debaixo das cobertas, mas o meu orgulho patético não me permitia admitir que eu estava morrendo de frio. Se o imbecil a minha frente podia andar por aí de calça moletom e sem camisa e não parecer nem um pouco incomodado, bem, eu também podia.

          Nós começamos a diminuir o ritmo da caminhada por conta de alguns obstáculos. Nada muito ruim, apenas alguns galhos e pedras. O som dos grilos havia ficado para trás e outro o substituía gradativamente. Eu ainda não sabia ao certo do que se tratava, mas o som ficava cada vez mais alto e o vento aumentava junto com ele.

          Soltei o meu novo cabelo que estava preso em um coque mal feito, na esperança de que ele pudesse aquecer minhas orelhas e meus ombros. Ajudou, mas não muito. Quando Théo/Gael parou e se virou para a esquerda, o acompanhei e então pude ver o cenário incrível que o estava fazendo sorrir. Uma enorme cachoeira estava escondida ali. Aproximei-me e o ensurdecedor barulho da água preencheu os meus ouvidos no mesmo instante em que centenas de gotículas de água me atingiram o corpo semicoberto. A água que caía com força sobre inúmeras pedras irregulares formava um véu branco de tirar o fôlego. Théo/Gael se sentou em uma pedra grande quase plana e mesmo sem ser convidada, eu fiz o mesmo.

          Eu estava tão maravilhada com aquele cenário de filme... Era como estar dentro de um quadro perfeito, como fazer parte de uma grande obra de arte. Fechei os olhos por alguns segundos e me permiti a sensação dolorosa e ao mesmo tempo agradável que o vento gélido combinado ás gotículas de água gelada causavam ao atingir meu corpo recém-desperto. Quando finalmente me lembrei de que não estava sozinha, abri os olhos e olhei para o homem ao meu lado, querendo saber qual era a sua reação. Imaginei que ele estaria enfeitiçado pela paisagem, apesar de provavelmente já ter estado aqui antes. E ele estava enfeitiçado sim, mas não pela paisagem. Seus olhos me devoravam com uma intensidade desconcertante. Por um segundo, achei que estivesse sufocando. Quando me obriguei a respirar (ar, ar, ar, repeti mentalmente) percebi que eu estava toda arrepiada e isso nada tinha a ver com o frio.

− Seus olhos são mais azuis do que eu me lembrava − ele disse de repente, despreocupado e sorridente.

− Não aja como se fôssemos velhos amigos − consegui dizer, apesar de achar que não havia ar em meus pulmões.

− Mia... − E novamente ele repetia meu nome com uma espécie de adoração. – Eu mais do que ninguém quero que você conheça a verdadeira história sobre o seu passado − eu tremi com a lembrança e acho que ele percebeu, pois seu tom foi mais suave. – Mas não vou apressar as coisas. Tudo tem o seu tempo e eu já esperei tanto... Posso esperar mais um pouco −- sua declaração me deixou confusa, mas eu não consegui falar nada. Estava desnorteada com a avalanche de sentimentos invasores dentro de mim e para piorar, ainda estava sem ar. E de repente, ele apenas disse. – O seu cabelo está muito bonito − o meu olhar de choque deve ter soado como uma interrogação para ele, pois rapidamente ele emendou. – Sei que muitos devem ter ficado tristes com a morte dos seus cachos dourados, afinal eles eram sua marca registrada. Mas, sei lá... Eu gosto desse cabelo preto e liso, apenas com algumas ondulações nas pontas. Acho que ele combina com a personalidade dessa mulher forte que você escondeu por todo esse tempo.

          Depois disso eu não consegui dizer nenhuma palavra. Nada. Nada mesmo. Zero palavras. Eu estava confusa, chocada, com frio, cansada, desnorteada... O fato é que fiquei naquela cachoeira por mais de uma hora apenas admirando a paisagem em silêncio, revivendo lembranças ora agradáveis, ora terríveis e deixando vez ou outra, uma ou duas lágrimas escaparem. Théo/Gael não me fez perguntas.

Ponte de cristal (degustação)Where stories live. Discover now