Capítulo 4

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NICHOLAS

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NICHOLAS

O caminho inverso do perdão

Ouvi alguns sussurros em castelhano. Era uma voz reconhecível.

― Minhas costas doem tanto... ― dona Soledad passou do meu lado, com uma das mãos apalpando a parte de trás do seu corpo. Permaneci de cabeça baixa, fingindo que não a vi. Até assobiei, no intuito de que ela não desconfiasse, enquanto catava mais algumas conchas debaixo do sol das dez. ― Ai, vou morrer amanhã, tenho certeza! ― ela aumentou o tom de voz, largando na areia as sacolas que carregava.

Não aguentei. Dei uma gargalhada.

― Nova desse jeito? ― fitei-a no findar no riso, respondendo em sua língua. Rapidamente, apanhei as bolsas cheias de cocos que ela jogara segundos atrás. ― A senhora tem mais coragem que muito jovem por aí, hein? Deixe de conversa.

Perceber o sorriso surgindo no cantinho de sua boca ganhou meu dia. Passamos a caminhar, lado a lado, em direção à casinha que ficava ali nos arredores da praia.

― Algum verso hoje, menino Nicholas?

Ela se referia aos versos bíblicos que eu sempre trazia em nossos diálogos. Afirmei, balançando a cabeça positivamente.

― Só estava esperando a senhora pedir. ― sorri. ― Dessa vez, preciso que olhe para o mar... ― pedi, apontando para as ondas bravias que dançavam diante de nós naquela manhã. Então, comecei ― "Pergunte, porém, aos animais, e eles o ensinarão, ou às aves do céu, e elas contarão a você; fale com a terra, e ela o instruirá, deixe que os peixes do mar o informem. Quem de todos eles ignora que a mão do Senhor fez isso? Em sua mão está a vida de cada criatura e o fôlego de toda a humanidade."*

Ouvi seu suspirar; pareceu de alívio. Ela segurava minha mão e caminhava de olhos fechados, de modo que nem percebeu que já havíamos chegado ao seu destino.

― Tem alguma coisa diferente em você que não há em nenhum outro guia turístico que eu já tenha conhecido, menino Nicholas. ― Dona Soledad proferiu quando silenciei.

― Acho que não é algo em mim ― apontei, mesmo grato com o elogio.

Ela olhou para o céu, já sabia a quem eu me referia.

― Obrigada, menino ― Já em tom de despedida, a senhora deu-me um abraço depois que deixei as sacolas em sua residência. ― Volte sempre. E case-se com minha neta Rosalinda, ela está esperando por ti em Havana.

Meneei a cabeça, rindo de sua brincadeira.

― Estou pronto para servir. Quando a senhora precisar, pode me telefonar. ― garanti a ela.

Depois, saí dali e voltei a encher os bolsos das calças com conchinhas. Precisava completar cinquenta, como a Sam havia me pedido. Mas fui impedido. Quero dizer, eu me desconcentrei da minha missão quando uma memória passeou pelos meus pensamentos. Irmã Elizabeth.

Tínhamos nos visto duas vezes, ambas por coincidência. Queria muito poder conversar com ela de novo, mas sem assustá-la como fiz das outras vezes. Era curioso pensar... O que se passa em sua mente? O que ela pensa a meu respeito?

― ... que você é um boboca!

Fiz uma careta. Por um momento, achei que a moça bonita estava ali ao meu lado, respondendo minhas indagações.

No entanto, vi que se tratava de uma discussão há alguns metros de mim. Um garoto de prováveis 11 anos olhava embravecido para um adulto que eu supunha ser seu pai. Ele xingava seu progenitor com insultos sutis, mas carregados de ódio. O homem repetia "cala a boca, moleque. Em casa a gente conversa.".

De repente, vi-me ali e meu coração se apertou. Eles não sabiam, mas estavam construindo um grande muro entre si; a muralha do orgulho, da falta de perdão e de uma grande dor.

Queria gritar "Parem com isso! Resolvam os problemas de outra forma. Perdoem-se!", mas seria hipocrisia pura porque eu mesmo não conseguia fazer isso. Conseguia perdoar a todos, mas a meu pai não.

Era como se o meu muro nunca pudesse ser derrubado e, além de tudo, eu estivesse amontoando mais e mais tijolos dia após dia. O caminho inverso do perdão. O caminho inverso da Palavra. O caminho contrário ao de Deus.

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*Jó 12:7-10


Até que te encontreiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora