Paus e pedras

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A noite é escura e cheia de terrores

(Melisandre de Assai, A Fúria dos Reis)

O farol diminuiu e quando Brielle levantou e andou até a fonte da luz, se apagou e a luz interna se acendeu revelando duas pessoas que eu não reconheci àquela distância.
A voz de Brielle se ergueu animada na escuridão "Simons!", uma voz feminina gritou o sobrenome de Brielle em resposta. Imaginei que fosse Riley Simons da história de Troy.
Apanhei o casaco de Brielle e vesti o meu. Ela conversava animadamente com as pessoas dentro do carro, supuz que esse fosse o tal encontro da noite e caminhei até o cobertor estendido para apanhar nossas coisas.
Tateei pela grama no escuro para não deixar nada para trás e quando a mochila já estava pronta nas minhas costas ouvi o assobio.
E o mesmo estalo de galho quebrando.
Me virei instantaneamente e tomei um susto ao me deparar com o rosto pálido de Paco surgindo ao lado de uma árvore. Subitamente senti uma pontada de dor na testa, onde o galo tinha surgido.
- Mas que diabos! Briel...
- Ei, calma cara, não precisa chamá-la! Eu queria falar com você.
- Falar comigo? Você me acertou com um jornal na cara e agora persegue a gente até aqui, você é algum tipo de psicopata?
No luar eu vi seus olhos seguirem de um lado ao outro, fixar na direção onde Brielle estava conversando e depois se voltarem para mim.
- É exatamente por isso que eu vim até aqui. Para pedir desculpas mas achei que Brielle não ia gostar muito...
- Sério? E ela tem algum motivo para ter qualquer coisa contra você?
Fiquei surpreso em me ver usando meu pequeno suprimento de sarcasmo (que quase sempre ficava guardado em alguma gaveta interior) com alguém que não conhecia.
- É, imaginei que ela te contaria algumas coisas que aconteceram ou pelo menos o que algumas pessoas a fizeram acreditar que aconteceu...
- Sério, cara, você devia ir embora. Brielle vai me chamar e realmente não vai gostar de saber que você está aqui.
- Ela vai chamar você? O que vocês estão fazendo aqui? Com quem ela está falando?...
- Você está fazendo uma pesquisa ou o quê?
Ele me fitou com olhos de aço.
- Só mais uma pergunta então: O que há entre vocês dois?
Tentei parecer intimidador mas acredito que tenha fracassado, Paco não me conhecia então eu poderia fingir que era outra pessoa e inventar uma pequena mentira.
- Não é da sua conta - engoli em seco -
Mas se você quer mesmo saber, talvez nós estejamos juntos.
Sua expressão não se alterou. Continuei:
- E...
Vi seu punho preenchendo meu campo de visão antes de sentir o impacto do soco. Depois ele me atingiu no estômago, com o joelho, eu acho e caí no chão, tossindo.
- Cory? - Brielle gritou, olhei para ela - CORY!
Ela começou a andar na minha direção e Paco foi andando de costas para o meio das árvores.
A falta de ar foi passando, acho que a joelhada não foi tão forte. Brielle já estava perto, provavelmente ficaria furiosa e se pegasse Paco, iria partí-lo em dois.
Não.
Não iria ser o cara que não faz nada, não iria me esconder atrás dela. Me pus de pé com esforço e me lancei para as árvores onde Paco acabara de sumir.
Corri tropeçando e esbarrando no que eu não podia ver, me guiando pelo barulho de Paco mais à frente. Brielle chamava e corria atrás de mim. Corri mais rápido.
As árvores foram ficando cada vez mais afastadas até que me vi em um pequeno intervalo que nem chegava a ser bem uma clareira onde a luz do luar era escassa.
- É melhor você ficar longe, não é uma boa idéia brigar!
A voz dele veio de algum ponto à direita. Dei alguns passos pra esse lado e algo voou na minha direção e bateu no chão entre meus pés. Uma pedra.
Me dei conta de que ele estava tentando me manter longe. Quando o confrontei falando sobre estar com Brielle e a corrida repentina para revidar deve ter dado a idéia de que eu era capaz e estava disposto a brigar com ele. Ele realmente não me conhecia e agradeci em silêncio por isso pois eu não tinha idéia do que fazer se o alcançasse.
Apanhei a pedra e joguei na direção de onde vinha a voz. Alguns segundos depois uma nuvem de pedrinhas me acertou e me afastei até encostar em uma grande árvore velha e curvada. Ouvi os sons de Brielle se aproximando.
- Apareça, covarde! - gritei apanhando outra pedra. Sério, acho que todo o efeito dessa viagem estava me deixando louco.
Joguei a pedra na escuridão. Um farfalhar revelou que Paco estava mais próximo do que eu imaginava, um galho grande cortou o ar novamente, muito acima de mim, sem me acertar.
Na verdade, acertou os galhos da árvore fazendo cair lascas da casca, folhas e uma coisa meio pesada que supus ser outro galho.
- Cory!
Brielle apareceu seguida por alguém, no exato momento em que um zumbido surgiu na minha cabeça em uma sincronia incômoda com meu nervosismo.
- Que diabos... - Paco apareceu por trás de uma árvore bastante próxima - Paco, o que você...
O rosto dele estava tomado pela raiva e e se iluminou de vermelho de repente. Um rojão aceso.
Tudo aconteceu ainda mais rápido. O ponto brilhante se moveu pelo ar percorrendo a pequena distância entre nós dois e caiu ao meu lado, me abaixei e passei a mão pelo chão e apalpei algo volumoso. Apanhei isso e meus dedos se enterraram de leve na superfície, dei alguns passos para longe do rojão, o zumbido ainda na minha cabeça.
Lancei o galho bulboso na direção de paco e senti algumas pontadas ardentes na mão.
O galho atingiu Paco em cheio e ele gritou, vi que ele já segurava um objeto para revidar.
Esbarrei em Brielle, que tinha os olhos arregalados e segurou minha mão. A pessoa ao lado dela se revelou ser um rapaz um pouco mais velho que eu.
E foi na direção dele que o Paco, rosnando, jogou o que segurava.
Meu senso de auto preservação deve ter se extinguido em algum ponto ali naquela floresta ou era apenas a adrenalina sendo bombeada pelo meu corpo, mas saltei para cima do garoto e tentei empurrar ele para o lado, o que obviamente não deu certo já que assim que parei na frente dele senti o peso de algo se despedaçando contra minha cabeça e meu ombro.
O garoto olhava para mim com os olhos arregalados e me segurou quando eu caí.
O rojão explodindo, gritos de Paco, gritos de Brielle, comentários preocupados do garoto que me segurava e a voz de outra mulher.
Vomitei no pé de uma árvore mas não desmaiei embora as coisas parecessem um pouco distantes e assim me vi no banco de trás do carro dos Simons com a cabeça no colo de Brielle, meu ombro doía.

Dormi bastante e acordei com o ombro um pouco dolorido. O céu estava ficando cinzento e eu estava em movimento olhando diretamente para ele.
Brielle estava deitada ao meu lado na traseira da caminhonete de Troy sobre vários travesseiros, dividíamos um cobertor grosso e quente e seu olhar preocupado tinha um tom parecido com o do céu.
- Como você está se sentindo?
- Bem, eu acho - experimentei mexer o ombro, doeu um pouquinho - aquilo tudo aconteceu ou eu sonhei?
Senti que ela queria rir mas sua expressão estava trancada, ela suspirou.
- Você foi meio idiota, sabia? Correr atrás de um garoto perturbado em uma floresta que você não conhece. Eu poderia aplaudir você mas acho que na metade eu lhe daria um tapa.
- Ele me deu um soco, eu não ia me esconder como sempre... Ei, você disse que me daria um tapa?
Ela revirou os olhos.
- Ainda estou pensando nisso mas você teve uma pequena concussão e talvez não seja uma boa idéia.
- O que me acertou?
- Um galho grande ou um pedaço pequeno de tronco mas estava podre e não te machucou muito, se despedaçou.
Ela se ergueu um pouco sobre os travesseiros e fiz o mesmo.
- Acertou minha cabeça mas acho que meu ombro levou a pior na história.
- Sorte sua que não foi o rojão.
Ela disse isso como quem comenta o clima.
- Ah, o rojão. Aquele garoto sai de casa com rojões enormes no bolso e faz de uma pequena clareira o seu arsenal de guerra... Ele está de parabéns, mas confesso que gostaria de revidar.
Brielle me olhou, ligeiramente confusa.
- Como assim "gostaria"?
- O que você quer dizer?
O sorriso mágico foi aflorando aos poucos em seus lábios e se transformou numa risada sonora. Senti que poderia beijá-la ali mesmo.
Céus, me mandem um sinal confirmando que isso é só aquela pequena atração padrão por uma garota com um sorriso lindo. Diga que não estou sentindo nada além disso por essa garota louca que me faz passar a madrugada travando uma batalha em uma floresta.
Sua voz interrompeu meus pensamentos.
- Você não viu o que aconteceu com o Paco?
Mais risadas.
- Não, você deveria me contar logo.
- Cory, você jogou um galho onde tinha um ninho de vespas nele...
Recordei dos gritos do garoto no escuro e olhei para a minha mão e vi alguns pontos vermelhos e inchados. Flexionei a mão, ainda estavam doloridos.
- Ah...
- "Ah"? Caramba, aquilo foi hilário!
- Mas Brielle... Você sabe se ele está bem? Sabe, eu assisti Meu Primeiro Amor e...
Brielle se jogou gargalhando em cima de mim e nem me importei com a dor quando ela enterrou o rosto no meu ombro. Seu cabelo tinha um cheiro bom.
- Ah, Cory, seu tolo. A notícia de que Paco Gomez andou se esfregando em um ninho de vespas já se espalhou na cidade, Tia Eleanor disse que ele está bem, só parece estar sofrendo uma mutação na pele. Peter disse que vai tirar uma foto.
Sorri um pouco surpreso pelo que aconteceu com Paco e com a idéia de o pequeno Peter tirar uma foto de Paco todo picado e zombar disso até crescer.
- Mas e tia Eleanor e Peter? Nós estamos indo embora sem nos despedirmos?
- Não se preocupe, em breve estaremos reunidos novamente.
A caminhonete chacoalhou um pouco e me sentei o vento rugiu pelos meus ouvido mas ouvi música no sistema de som. Olhei para trás e encarei a nuca de Troy dirigindo, o garoto que aparecera na madrugada estava ao seu lado e a garota ia inclinada olhando pela janela.
- Então, esses são os Simons?
Brielle fez assentiu, animada.
- Aquela é a garota de quem você falou? Riley, que namorou o Troy?
Já tinha visto Brielle confusa antes mas não como dessa vez. A expressão confusa foi dando lugar à compreensão.
- Ah, você achou que... Não, não, não! Aquela é a Naomi. Aquele ali é o Riley.
A história que ela contou mais cedo se reformulou instantaneamente na minha cabeça e me senti mais orgulhoso de ter lançado um vespeiro em Paco.
Troy olhou pelo retrovisor e sorriu.
- E ele está muito grato por você tê-lo visto se jogar na frente dele. Vai adorar lhe conhecer.
Sorri me dando conta de que as surpresas não estavam dispostas a parar de acontecer tão cedo.

A Tempestade Da Cor Dos Teus OlhosWo Geschichten leben. Entdecke jetzt