O que se deve sentir

307 27 9
                                    

Você está me pressionando e me puxando para seus pés
Mas eu não sei o que eu quero
Não, eu não sei o que eu quero

(I Caught MySelf - Paramore)

"Você se perdeu dentro da loja?"
Não gostaria que ninguém me levasse a mal mas, quem responderia para a sua futura namorada oficial: "eu estava conversando com uma garota meio louca que tem um sorriso lindo e usa a bota pintada igual ao personagem principal do meu filme preferido da infância, não é incrível?". Então eu só respondi "fila grande no caixa".
O salão de eventos era um anexo da igreja onde o pai de Isabela era o pastor. Era só um prédio retangular pintado de amarelo e com detalhes dourados na entrada e era onde acontecia todos os eventos dos membros da congregação.
Isabela entrelaçou seu braço no meu e entramos. Confesso que fiquei surpreso de haver poucas pessoas comparado ao número que eu achava que meus pais iam convidar. Conversando pelo salão, com um jazz suave ao fundo, estavam meus pais, Nicolas e os pais dele, os pais de Isabela, três irmãos do meu pai que moram na cidade vizinha, algumas famílias vizinhas e o pessoal do Clube.
Passei a primeira meia hora cumprimentando e recebendo os parabéns de cada um ali e a segunda meia hora fazendo o sorriso para as fotos da minha mãe.
Passada a hora do martírio, me aproximei de Nicolas que segurava uma taça perto de um vaso grande.
- E aí?
- Como vai a celebridade do momento? Ele tinha um sorriso travesso.
- Fala sério, cara. Isso é um saco, sabia? E eu estou com fome.
Ele olhou ao redor e disse:
- Os irmãos Jerry estão por aí servindo canapés... Ele se curvou atrás do vaso e se virou sorrindo - mas tenho algo bem melhor para esperar pelo jantar. E ergueu uma garrafa de champanhe pela metade.
- Seu louco! - eu ri.
- Cara, seu pai liberou o champanhe para os "jovens do bem", eu só adiantei todas as taças que eu tomaria antes do jantar.
- Não acho que qualquer um dos adultos vá gostar de ver você com uma garrafa na mão mas, tudo bem.
Samantha Jerry usando botas marrons, o que arrancou um pequeno sorriso dos meus lábios, passou com uma bandeja coberta de taças e ele se esticou para apanhar uma.
- Tome, um bom garoto de uma família tradicional não bebe no gargalo - e virou a garrafa para encher o restante - coisa fraca, eu sei. Mas é o que temos por enquanto, eu já combinei com todo mundo, assim que isso aqui acabar vamos dar o fora na minha carruagem e o Julio vai pegar a van dele e levar o pessoal que tá sem carro para o lago, onde tem dois barris de cerveja e algumas caixas cheias de garrafinhas brilhantes nos esperando.
Sorri e tocamos os punhos. Isabela, do outro lado do salão conversando com algumas garotas, se virou e sorriu para mim. O sorriso de neve brilhante e os olhos mais lindos do mundo. Nicolas notou meu olhar.
- Cara, você parece que está no oitavo ano e é o nerd apaixonado pela líder de torcida.
- Olha, não é muito diferente disso, não é?
Nicolas bufou e sorriu.
- Na verdade, não. Levando em conta que você ainda não foi além dos beijos com a garota mais bonita daqui eu diria que você é uma espécie de nerd príncipe encantado... Ou princesa. AI!
Acertei um soco no seu ombro.
- Você parece preocupado - ele disse enquanto massageava o ombro e secava a taça cheia de uma vez só.
- É a Bels. Ela me colocou contra a parede hoje, sobre a história de oficializar nosso relacionamento, e tal...
Nicolas ergueu as sobrancelhas.
- E aí?
- Concordei em pedir a permissão do pai dela hoje, no jantar.
Sequei minha taça.
Nicolas ponderava olhando para o champanhe deslizando, dourado, de dentro da garrafa.
- Bem, pensa bem, é só você olhar para a situação como um todo para ver que não tem motivos para se preocupar. É "só" a garota mais bonita da cidade querendo se acorrentar em você. Não sou do tipo que namora mas pra você é um grande momento.
Ele pôs a mão no meu ombro.
- E eu pagaria um ingresso para ver você pedir a mão dela para o Pastor na frente de todo o mundo.
E sorriu aquele sorriso que era mais cinismo do que dentes.
Minha mãe se aproximou para avisar que o jantar já ia ser servido. A garrafa de champanhe havia sumido magicamente.
Eu adorava o feriado de ação de graças por causa do que era servido no jantar e minha mãe sabia disso, por isso ela fez com que fosse servido tudo o que nós comíamos em casa, um peru enorme, espigas de milho, tortas...
Enquanto raspava os últimos resquícios de chocolate do prato e se preparava para pegar mais uma fatia de torta, meu tio Louis virou-se para mim e disse: - Então, pequeno Colin...
- Cory.
- Pequeno Cory. Já se decidiu sobre seu futuro? Vai ser um advogado como eu e seu primo Dalton?
Ele gesticulou para o filho, que lambia uma colher. Quase tão gordo quanto o pai.
- Seria maravilhoso, tio, ser um profissional talentoso como o senhor - Ele deu um meio sorriso, orgulhoso - mas ainda não há nada decidido.
- Claro que não! - O outro irmão do meu pai, tio Larry, acenou com o garfo, da sua cadeira - É claro que ele vai preferir ser um médico como eu.
Tio Larry parecia uma ave grisalha e se empertigou todo.
As leis e a medicina eram bem vistas e poderiam ser um bom futuro se eu me empenhasse, e provavelmente acabaria escolhendo um desses caminhos. Meu outro tio, Jonas, era um cavalheiro à moda antiga. Tio Louis e Tio Larry começaram a discutir e Tio Jonas sorriu pra mim. Olhei para meu pai para ver se recebia alguma ajuda na discussão dos irmãos dele mas ele só sorriu, orgulhoso para mim. Devia estar pensando "Vai ser médico ou advogado. Ou, melhor ainda, irá cuidar de finanças, como eu."
Engoli em seco, Isabela ao meu lado, apertou minha mão por baixo da mesa.
- Querido? Ela sussurrou.
Me virei para ela.
- Hã?
Ela indicou seu pai com a cabeça. O pastor se levantara com uma taça de água em uma das mãos e um garfo na outra. Ele deu batidinhas na taça produzindo um tilintar alto e cristalino.
Quando todos se viraram em silêncio ele ergueu a voz grave.
- Meus queridos companheiros, em primeiro lugar, sendo conduzido pelo clima e pela comida boa eu gostaria de dar graças. A esse jantar maravilhoso dos Walter, à união da nossa comunidade, e é, claro, ao nosso garoto Cory, que está se direcionando para a vida adulta e se tornará um homem brilhante, seguindo o caminho correto. Um brinde a ele.
Todos levantaram seus copos.
Isabela sorriu, radiante, e se inclinou na minha direção.
- Acho que é a sua hora.
- Minha hora?
- O pedido. É a hora perfeita. - Ela disse entre os dentes, sorrindo.
Engoli em seco mais uma vez e me pus de pé, sorrindo também, eu acho. Não conseguia sentir muito bem os músculos do meu rosto, só sabia que estavam ficando muito quente.
Não consegui falar. O pastor me olhava serenamente através das grossas lentes dos óculos.
- Er... Pastor. Obrigado...
Eu estava gaguejando. Ótimo. Grande Cory.
Calma.
Todo mundo estava me olhando e eu calado com um meio sorriso para completar a cara de idiota.
É só fingir que está no controle, eu disse a mim mesmo.
Como se estivesse conduzindo uma história.
- Obrigado Pastor, é uma honra ser homenageado dessa forma.
Continue assim.
- Estou muito feliz de poder dar esse orgulho para meus pais e ser mais um dos muitos jovens da comunidade que estará trilhando um bom caminho para o futuro. - gesticulei em direção à vários dos garotos e Nicolas ergueu sua taça e piscou para mim - Deus nos dá as oportunidades, os sábios sabem segurá-las com as duas mãos. Agradeço à minha família e aos meus amigos pelo apoio de todas as horas.

A Tempestade Da Cor Dos Teus OlhosWhere stories live. Discover now