Capítulo 39: O homem em chamas

Start from the beginning
                                    

Cerca de trinta minutos haviam se passado e nada de Damon e Elena aparecerem.
Eu já estava, gemendo como um animal à beira da morte. As contrações estavam tão intensas que quase desmaiei de novo.
Kai foi carinhoso, tocando em meus cabelos e me dando sua mão sempre que a dor estava insuportável demais. E acho, que se ele não fosse mais forte que eu, com certeza, já teria esmagado sua mão, tamanha a brutalidade com a qual a segurava a cada nova investida das dores.
E tenho certeza de que devo tê- lo xingado algumas vezes. Meu cérebro irracional tentanva se distrair com boas lembranças de nós dois juntos, mas tudo em que eu conseguia pensar era no quanto ele era um idiota, tagarela, folgado, abusado, safado e convencido.
A antiga Bonnie nunca pensaria coisas tão ruins do homem que ela amava, mas ela nunca havia sofrido de contrações tão fortes, que faziam as pernas tremerem.
Essa droga de chuva que não vai embora!, pensei, querendo socar cada pingo d'água que caía do céu.
Kai havia saído do carro, quando viu que eu estava com dores insuportáveis e tentou- com resultados infrutíferos- fazer o carro pegar. Mas aquela coisa velha não sairia do lugar.
Ele nem parecia se importar com a torrente de água que caía sobre si e nem com os raios que cortavam o céu, mais ao longe.
Kai estava focado em nos tirar dali.
- Onde você está, Damon?!- ouvi- o gritar no celular, para que o som da chuva não abafasse sua voz- Como assim está preso em uma fila de carros perto do bloqueio?! Bonnie depende de você! Ela está com muita dor e já liguei mais cinco vezes para aquele hospital de merda e disseram que as ambulâncias estão atendendo outros chamados!- kai fez uma pausa com o rosto encharcado e vermelho de raiva- Quanto tempo você acha que pode levar?- e emudeceu, franzindo ainda mais o cenho, em sinal de preocupação- Tá... Ok.
E desligou.
Ele caminhou um pouco derrotado na minha direção e soube que a situação era bem grave.
- Damon não pode vir. Pelo menos, não agora- disse, abrindo a porta do carro, antes que eu perguntasse- Ele está preso naquele bloqueio e pode demorar muito até que chegue aqui. Caroline, Elena e Stefan estão com ele.
E claro, que não pude controlar o soluço que escapou de meu peito.
- O que vamos fazer? Nosso filho pode morrer, Kai...- solucei mais alto- Não o deixe morrer, por favor.
A expressão de Kai era torturada, como um homem em chamas, que não sabe para onde ir ou como apagar as flamas que percorrem seu corpo. Era muita responsabilidade, para depositar em seus ombros e ele estava com tanto medo quanto eu, mas tentava ser forte por nós dois.
- Está doendo muito?- perguntou de súbito.
Eu não era do tipo que me queixava, mas naquele momento eu estava com uma dor lancinante. Era como se uma lâmina embebida em ácido estivesse me cortando.
- Está. Demais- solucei de novo.
Kai franziu os lábios e voltou a caminhar na calçada, debaixo do temporal. O vi deslizar as mãos em garras pelos cabelos castanhos e molhados, como se estivesse se decidindo sobre algo.
Ele andava de um lado para o outro, ainda com a expressão torturada.
Não fazia ideia do que se passava na cabeça dele. Kai era uma surpresa ambulante.
Ele ficou assim, mais alguns segundos até que... parou. Estacou na calçada, olhando para o cimento molhado. Observei, enquanto o homem em chamas desaparecia, tomado pelo olhar do homem decidido que eu conhecia.
Kai.
Ele veio até mim, rapidamente, pousando a mão no teto do carro e a outra no encosto do assento, seu olhar estava cheio de determinação.
Seus olhos azuis, me percorreram, como se aquilo fosse mais um tipo de incentivo.
- Bonnie- sussurrou.
Afastei meu rosto que estava escondido sob a fresta entre o banco e encosto, e olhei para seus profundos olhos azuis.
- A emergência não virá- sussurrou com cuidado- Damon não pode nos ajudar. E você está sofrendo... Não podemos esperar.
Arqueei as sobrancelhas.
- Você está dizendo que...
Ele assentiu.
- Você terá que dar à luz, aqui- disse de forma cautelosa- Não posso colocar sua vida e do nosso filho em risco, esperando alguém nos ajudar. Tem que ser feito agora. E eu sei que ainda não sou formado e que nunca fiz um parto em toda a minha vida, mas precisamos tentar. É a única opção...
Sua voz foi morrendo, enquanto seus olhos aguardavam minha decisão.
Pesei todos os prós e contras daquilo.
Sabia que Kai era um excelente aluno de medicina. O melhor da classe, acho que o melhor de todo o campus. Porém, não estávamos em um hospital e se qualquer coisa mais grave ocorresse com meu filho não haveria como salvá-lo. Não dispúnhamos de equipamentos médicos para ajudar.
Porém, eu não podia negar que eu estava brincando com o destino, ao prolongar tanto a estadia dele dentro de mim. Isso poderia matar nós dois. E não podia me dar ao luxo de demorar.
Claro, que uma parte de mim, estava ansiosa para conhecer aquela pequena pessoinha. Para saber se ele se pareceria com Kai ou comigo, ou se seria uma mistura melodiosa de nossas melhores e piores características. Se seria alegre e de riso fácil como o pai, ou se seria mais sério e compentrado como eu.
Pensei muito nisso, durante minha gravidez, e principalmente agora que eu estava prestes à vê-lo.
Isso foi um forte argumento em minha decisão.
Encarei os olhos azuis de Kai, que parecia nervoso e ansioso.
- Eu confio em você, Kai.
Ele assentiu com um pequeno sorriso.
- Vou tentar fazer com que seja rápido, ok?
Concordei com a cabeça.
Kai se inclinou e beijou meus lábios em um selinho carinhoso.
E se afastou, indo para a traseira do carro. Ouvi o porta- malas sendo aberto e em seguida fechado.
E de repente, Kai surgiu, segurando alguns cobertores ainda embalados em plásticos, juntamente com lençóis e travesseiros, igualmente embalados.
- O que é tudo isso? - questionei, rindo um pouco para disfarçar todo meu nervosismo.
- Precaução- murmurou, colocando a pilha de lençóis, cobertores e travesseiros sobre o banco, ao meu lado. Pude ver as etiquetas de preço, ainda presas neles.
Ele até podia ser exagerado, mas gostava da genialidade do meu marido.
Levou alguns minutos, para que Kai ajeitasse tudo para mim. Estendeu os lençóis e cobertores sobre o banco traseiro do carro e colocou os travesseiros, para que eu tivesse mais sustentação.
Me deitei, com cuidado, sentindo dores lancinantes.
Kai tirou minha roupa íntima, deixando- me só com a camisola de seda branca. Fez todo o procedimento de deixar todas as coisas que fossem necessárias mais próximas.
O vi pegar uma sacola, com coisas que ele havia tirado do porta-malas. Objetos para cirurgia e todo tipo de quinquilharias de médicos.
- Eu nunca mais vou reclamar do seu exagero- murmurei, ofegando, mas tentei estampar um sorriso em meus lábios.
Kai sorriu, enquanto limpava as mãos e o os braços, até a altura dos cotovelos com álcool em gel.
- Sei que gosta do meu lado maníaco- sorriu, como o convencido que era.
Esperei, enquanto ele me examinava, vendo se eu estava com dilatação o suficiente.
- Está na hora, Bon- murmurou de maneira séria, ajoelhado na porta do carro, enquanto a chuva caía sobre suas costas.
Assenti, encostada contra os travesseiros.
Ele subiu, o tecido da camisola em minhas coxas, estendeu um lençol sobre minhas pernas e fez com que eu flexionasse os joelhos, deixando-os mais perto de minha barriga redonda.
Eu não me sentia nenhum pouco envergonhada, pois Kai conhecia cada parte do meu corpo confiava nele.
Ele me encarou de maneira firme e séria.
- Bonnie, agora vou precisar que faça força. Como nunca fez na vida.
Assenti, um pouco nervosa.
- Inspira e expira- sussurrou e o imitei- Isso...
E comecei a empurrar, contraindo os músculos do abdômen, sentindo uma dor forte.
Mordi o lábio inferior para impedir que eu gritasse mais alto. Minhas mãos estavam agarradas contra o banco e o encosto, sentindo o couro sob minhas unhas.
- Força, Bonnie!- incentivava Kai, com as mãos pousadas em meus joelhos.
Grunhi mais alto, forçando o máximo que eu conseguia.
Em seguida parei, com meus pulmões em brasa e meu cérebro parecendo à ponto de explodir com tanta pressão.
Eu respirava rapidamente, ofegando alto, com aquelas contrações cada vez mais cortantes.
- Respira devagar- pediu Kai- Isso vai ajudar.
Fiz o que ele mandou, sentindo as dores diminuírem um pouco.
- Está pronta?- perguntou, me olhando de forma séria.
Assenti, fazendo força outra vez.
Me concentrei em gritar menos e fazer o máximo de força que eu conseguia.
Kai me incentivava, dizendo que eu estava indo bem e pedindo para que eu me esforçasse mais. Mas, depois de mais quatro tentivas, vi que não estava adiantando.
- Não dá... - ofeguei, depois de mais uma tentativa frustrada- Eu não... consigo...
Kai me fitou, parecendo muito preocupado, mas sua expressão assumiu a mesma determinação.
- Você consegue, sim. Eu ajudo, Bonnie.
Observei seus olhos azuis, que me encorajavam a continuar.
- Tudo bem...- afirmei com a cabeça.
Queria que ele se orgulhasse de mim, que visse a mulher que ele tanto adorava. Eu não aceitava ser uma fraca.
Meu filho precisava de mim.
O vi se inclinar para frente, e colocar o braço sobre minha barriga, enquanto a outra pousava em meu joelho.
- Você faz força e eu empurro, ok? Será um trabalho em conjunto- murmurou de maneira firme.
E de repente, não vi mais o Kai.
Ali estava o médico que ele tanto queria ser. Naquele momento ele deixou de ser meu marido e se tornou o Dr. Parker.
- Vai dar tudo certo- disse para mim, mesma, respirando rapidamente.
E empurrei com mais força do que eu podia imaginar. E Kai ajudou, fazendo pressão contra minha barriga, empurrando meu ventre.
- Você consegue, amor!
Fiz mais força, grunhindo com a dor lancinante. Acho que nem estava respirando.
- Anda Bonnie!
Forcei mais, quando senti algo se deslocando dentro de mim, fazendo uma pressão forte de dentro para fora.
Vi o sorriso emocionado que Kai deu, parecendo mais motivado.
- Isso, amor! Eu já estou vendo ele! Empurra com mais força!
Cerrei os dentes, sentindo meu coração quase saltar do peito.
Empurrei com tanta força, que podia sentir meus neurônios estalando na cabeça. Pensei que fosse ter alguma espécie de parada respiratória, pois não deixava mais o ar entrar ou sair de meus pulmões.
Dei tudo de mim. O tanto quanto podia.
E senti algo escorregar para fora de mim e a dor subitamente sumiu.
Caí sobre os travesseiros, ofegando brutalmente, sentindo tudo escurecer à minha volta, mas me forcei a ficar acordada. Não desmaiaria agora.
Um suor quente e úmido corria por toda minha pele, enquanto eu tentava manter meus pulmões em um ritmo normal.
E ouvi um guincho baixinho, em seguida tornando- se mais alto.
Ergui um pouco a cabeça, vendo Kai, olhando maravilhado para algo em seus braços.
Era algo pequeno e rosadinho. E o guincho que ouvi, provinha dele.
- Você conseguiu...- sussurrou Kai, ainda olhando para o bebê em seus braços que chorava vigorosamente- É um menino.
E riu, deixando que lágrimas escapassem de seus olhos azuis.
- Nós temos um menino! - disse mais alto, rindo como um bobo.
Eu sorri, me esquecendo de toda a dor e cansaço, sentindo lágrimas quentes descerem por meu rosto.
Era o meu filho.
Esperei tanto para vê-lo e agora... ele estava ali, nos braços de Kai.
Sem perceber direito o que fazia, ergui meus braços em direção aos dois.
- Me deixe ver ele... por favor...- implorei, ansiosa para senti-lo contra meu peito e tocar em sua pele macia e rosada.
Kai foi rápido, como se tivesse feito àquilo durante toda a vida.
Cortou o cordão umbilical com uma tesoura de cirurgião, em seguida proferiu um feitiço para que o cordão tivesse a ponta cauterizada, impossibilitando um sangramento ou uma infecção. E limpou o bebê, com toalhas macias- sendo bem rápido- e o envolveu em três cobertores azuis de lã e colocou uma touquinha da mesma cor em sua cabeça.
Eu ainda estava com os braços estendidos para tocá- lo.
- Por favor... - pedi.
Kai se inclinou, sobre mim, segurando a criança, com cuidado, e o depositou sobre meu peito.
Imediatamente, ele parou de chorar.
Um soluço escapou de meus lábios enquanto observava o bebê em meu peito.
Ele era tão pequeno, mas parecia saudável. Com as bochechas gordinhas e coradas e sobrancelhas ralas e loura- esbranquiçadas.
Não pude ver a cor de seus olhos, pois estavam fechados, mas havia algo no formato de seus lábios que lembravam Kai.
Cerquei meus braços em volta dele, com cuidado. Rocei meu nariz em sua testa macia, sentindo o cheiro de sua pele de bebê.
- Ele parece com você- sussurrei, ainda olhando para o ser mais perfeito de todos. E notei os soluços e minha voz.
Eu chorava de alegria.
- Você acha?- perguntou Kai, tão emocinonado quanto eu.
Vi o bebê, dar um sorrisinho calmo ao ouvir a voz dele.
- Ele tem as mesmas covinhas- eu ri, mais emocionada que antes.
Kai ficou em silêncio, apenas nos observando. Ele parecia extremamente feliz e orgulhoso.
- Obrigada, meu amor- sussurrei para ele- Nosso filho só está aqui por sua causa.
Kai esfregou meu joelho, gentilmente.
- Não, ele está aqui por sua causa. Você mandou muito bem, sua metida- murmurou com um sorriso, me mirando com os olhos azuis.
Sorri voltando à olhar para o menininho em meus braços. Ele era lindo como o pai.
- Kai...- comecei a dizer, quando senti um desconforto estranho.
Ele percebeu.
- O que foi?- estranhou.
- Nada é só que...Ah!- engasguei, sentindo uma pontada de dor.
- Bonnie! Bonnie! O que está acontecendo?!
Empalideci ao me dar conta.
- É... é mais uma contração..- ofeguei.
Kai pareceu confuso, inicialmente, mas logo se deu conta.
- Tem mais um...- sussurrou, me encarando- Tem mais um bebê. São... gêmeos.
Pensei que fosse desmaiar ali mesmo.
Gêmeos? Como não percebi?
Me lembro de ter sempre tido a sensação de que o bebê chutava demais dentro mim, como se estivesse agitado vinte e quatro horas por dia, mas não era um bebê. Eram dois.
Vi Kai se levantar rapidamente e correr para o porta- malas cheio de tralhas de seu carro.
E o vi trazer um... cesto de palha velho.
Me lembrava daquele cesto. Eu o tinha jogado fora, após a limpeza no armário de nosso quarto, sempre desconfiei de que Kai não havia se livrado de todas aquelas coisas.
O vi se agachar e colocar cobertores e lençóis, fazendo uma cobertura macia.
Ele se inclinou sobre mim, pegando o menino.
- Preciso deixá-lo seguro, pois ele pode cair dos seus braços- explicou, quando pareci relutante em soltá-lo.
Respirei fundo, deixando que ele o tirasse de meu peito.
Kai depositou o bebê dentro do cestinho forrado, ainda dentro carro, se esgueirou para colocá-lo no banco do passageiro.
E em seguida voltou para a entrada do carro, perto de mim.
Seus olhos foram sérios e preocupados, quando me perguntou:
- Acha que consegue mais uma vez?
Eu assenti cheia de determinação, mesmo que meu corpo estivesse ansiando por descansar.
- Vamos nessa- falei, forçando um sorriso, o que pareceu deixá-lo mais calmo.
Kai se posicionou de novo, entre minhas pernas e me encarou firmemente.
- Mais uma vez, preciso que faça muita força, amor- explicou.
Afirmei com a cabeça, respirando fundo.
E contraí os músculos do abdômen com mais força, agarrando o banco de couro. O suor recomeçou a descer por minha têmpora, enquanto eu empurrava com a maior força que conseguia.
- Vamos, Bonnie, você consegue, anda!- me encorajou.
Fiz muito mais força, quase sem respirar. Meus músculos gritavam, pela dor e a câimbra, mas os mantive tensos.
Meus dentes trincavam, cerrados um contra o outro.
- Bonnie, pára, respira- disse Kai, quando viu que eu estava em meu limite.
- Não!
E continuei empurrando, como se minha vida dependesse disso.
E senti o mesmo que a primeira vez. Como algo, se encaixando e fazendo uma pressão interna.
- Merda! Eu tô vendo ele, Bon!
Empurrei mais.
- Força, Bonnie! O cordão umbilical está enrolado no pescoço! Faça mais força!
Claro, que aquilo me deixou mais desesperada. Já tinha ouvido casos de bebês que ficavam com seqüelas graves por causa da falta de oxigenação no cérebro, ou até que morriam por isso.
Fiz mais força que na primeira vez, com a determinação de manter meu filho vivo.
- Mais força, Bon! Os ombros já estão quase saindo!- ouvi Kai, dizer enquanto tentava desenrolar o cordão do pescoço do bebê, com cuidado.
- Ah!- gritei, empurrando com toda a força que eu tinha.
E como da primeira vez, senti algo escorregar para fora de mim e a dor sumiu.
Quase desmaiei, quando minha cabeça encontrou o travesseiro, mas me mantive alerta. Eu teria tempo para descansar depois.
Levantei a cabeça, sentindo- a pesar um pouco, apoiei- me nos cotovelos.
- É... é um menino?- perguntei, arfando, para Kai, que segurava o outro bebê.
Ele sorriu parecendo mais emocionado que da primeira vez. Seus olhos azuis focaram os meus, cheio de lágrimas.
- É uma menina- ele disse, sorrindo.
Meu sorriso foi imenso e cheio de alegria.
Um menino e uma menina.
Eu era a mulher mais feliz do mundo.
- Me deixe segurá-la...- pedi, estendendo os braços de novo, mais ansiosa que antes.
Kai olhou para nossa filha, se preparando para limpá- la e agasalhá- la como fez da primeira vez. Porém, ele estacou.
- O que foi?- perguntei, ficando assustada.
Ele parecia em choque.
- Ela não está chorando...- sussurrou, parecendo se dar conta- Por que não está chorando...?
E foi então que eu percebi, que ela não estava se mexendo e nem parecia estar respirando.
- Ah, meu Deus...- solucei- Ela está... está morta...?
Kai não respondeu, repousando o corpinho pequeno do bebê no assento coberto do carro, entre minhas pernas.
Não consegui ver muita coisa, mas percebi o modo frenético com o qual, Kai começou a trabalhar.
O vi se abaixar e pegar algo em uma sacola. O objeto em e suas mãos, parecia uma buzina com uma ponta com um pequeno orifício.
- Ela deve estar com muco nos vias aéreas. Não consegue respirar- explicou, usando o objeto para sugar o líquido da boca e das narinas da menina.
Meu coração estava completamente despedaçado, como se eu nem conseguisse respirar. Nem ousava me mexer, observando o procedimento com um medo crescente.
Segundos se passaram e mesmo após tirar a obstrução das vias aéreas de nossa filha, ela ainda não estava respirando.
- Kai...- implorei, sentindo o nó em minha garganta.
Então, ele assumiu outra atitude. Colocou as mãos espalmadas sobre o peito dela e de forma cuidadosa, mas firme começou a realizar uma massagem cardíaca, tentando trazê- la de volta.
Eu estava me contendo para não cair aos prantos, mas não o fazia pois aquilo seria uma confirmação de que ela havia se rendido. E eu não aceitaria aquilo, queria que ela vivesse.
Ela se tornou minha vida no momento em que começou a crescer dentro de mim.
- Vamos, princesinha!- disse Kai, ainda fazendo uma massagem cardíaca e o vi se abaixar, e empurar ar para seus pulmões- Não nos deixe!
Sua voz estava embargada e pude ver lágrimas descendo por seu rosto. Sabia que a morte de nossa filha seria inconcebível para os dois.
Não aceitaríamos de forma alguma.
Ouvi o som de um bebê chorando e por um momento pensei que fosse ela, mas percebi que o som vinha do banco da frente.
Meu filho, chorava como se soubesse o que estava acontecendo com sua irmã.
- Shh...- fiz, com a voz trêmula de medo e desespero- A mamãe está aqui, meu amor.
Ele pareceu ouvir, pois parou de chorar no mesmo instante, porém não durou muito, porque ele recomeçou.
- Kai! Por favor, não a deixe morrer!- implorei, não conseguindo mais conter minhas lágrimas.
Kai continuava, com massagens vigorosas, mas não estava tendo resultado.
Ouvi um trovão ao longe, como um forte mau presságio.
Meu menino, chorava desesperadamente, parecendo assustado. E eu queria pegá-lo em meus braços e dizer que estava tudo bem, mas não conseguia desgrudar os olhos de minha filha.
Meu coração encolheu como uma bolinha apertada. Meus soluços, vinham altos, enquanto eu implorava para que Kai não a deixasse morrer.
Ele não desistiu um momento sequer, não parou nem quando parecia dar sinais de exaustão.
E mesmo que eu desistisse, sabia que ele nunca desistiria de salvar nossa filha.
- Kai!- chamei, quando uma idéia me ocorreu- Use magia!
Ele me encarou por alguns segundos, ainda com uma expressão de dor e desespero. Em seguida assentiu.
Colocou as mãos, sobre o peito dela e proferiu um feitiço.
- An Duca Tuas, Animos!- exclamou e vi seu corpinho ter um pequeno espasmo, quase como se Kai a tivesse desfibrilado.
Mas não foi o suficiente.
- De novo! - rosnei.
- An Duca Tuas, Animos!- gritou, e houve outro espasmo, mas nada em seguida.
- De novo!- gritei, incapaz de pensar em qualquer coisa que não fosse ela- De novo, Kai!
E ele foi mais uma vez. Outro espasmo. Nada. Feitiço. Espasmo. Nada. Feitiço. Espasmo. Nada...
Eu estava começando a perder as esperanças.
- De... de novo...- sussurrei, me perdendo em outro soluço.
E ouvi um choro baixinho.
Pensei que fosse o menino no banco da frente, mas ele simplesmente havia parado de chorar.
Arfei.
Era ela.
Ela estava chorando.
Minha filha estava viva.
Kai começou a rir e chorar, completamente aliviado, com os braços em volta dela.
- Ela... sugou minha magia- ele riu, ainda com o rosto encostado contra o dela- Essa é a garotinha do papai.
Eu ri e chorei junto com ele, incapaz de conter minha alegria. Foi como se meu coração tivesse reaprendido a bater novo.
O universo fazia sentido outra vez, pois eu estava com o homem que eu amava e nossos filhos.
- Me deixe segurá-la, Kai...- pedi, agora muito mais ansiosa.
Ele fez o mesmo procedimento de cortar o cordão e cauterizá-lo, limpá-la e a vestiu com cobertores cor de rosa e com uma touca da mesma cor.
E a colocou sobre meu peito, mas não antes de beijar meus lábios e dar um beijo suave no alto da cabeça de nossa filha.
- Minhas garotas- sussurrou.
Em seguida se afastou, fazendo outros procedimentos necessários. Quando terminou, pegou nosso filho e ficou sentado no banco da frente com ele em seus braços.
E eu fiquei ali deitada com alguns cobertores, que Kai colocou sobre mim, com minha menininha em meus braços.
Ela era linda, dormindo profundamente em meu peito. E se nosso filho se parecia com Kai, tinha que admitir que ela era a minha cara.
Pude ver os lábios pequenos e cheios, com sobrancelhas ralas, mas de um tom escuro e levemente arqueadas. E como da outra vez, não consegui ver seus olhos, pois estavam fechados.
Sua pele era morena, mas alguns tons mais claros que a minha e pude notar alguns fios escuros de seu cabelo cacheado, que se sobressaíam embaixo da touca de lã.
Fiquei um bom tempo, olhando para minha pequena lutadora, sentindo a maciez de sua pele de bebê.
Eu era mãe.
Não de um, mas dos dois bebês mais lindos de todos. E nem sabia, mas foi como se o meu coração simplesmente tivesse inchado de felicidade. Eu não era apenas capaz de amar Kai, mas também conseguia sentir o mesmo carinho e afeto por meus filhos.
E pela primeira vez na vida, senti que tinha uma família de verdade.
- Não vejo a hora de você crescer, para podermos jogar baseball, garotão- ouvi Kai, sussurrando para o bebê em seus braços, como se ele pudesse compreender algo.

Convergência Sombria | Bonkai | EM REVISÃOWhere stories live. Discover now