26. A Flora e o Mar

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Bonnie segurava o maço de pequenas folhas transparentes em suas mãos diminutas. Seus olhos verdes pousaram nos meus, enquanto eu a mirava apreensivo.

Não queria ler o que estava escrito naquilo. Eu ainda era meio novo nesse lance de sentir emoções. E não sabia lidar com aquela dor. O luto. Sempre achei isso a forma mais ridícula de sentimentalismo, já que quando alguém morria deveríamos esquecê-lo e não ficar se afundando na dor da perda.

Bonnie abriu as folhas em seus delicados dedinhos. Ela respirou fundo.

— Malachai… — leu.

Eu sorri. Até depois de ter batido as botas, Dora, ainda cismava em me chamar pelo meu nome de batismo.

— Antes de contar o que está havendo, é preciso que conheça um pouco da minha história...

...Mas ela não se inicia apenas em mim, começa com seu avô. Isaac Parker. Meu pai.

Como você já deve ter ouvido falar, Isaac foi um grande líder, o melhor que a Gemini já teve (desculpe, querido, mas você é um pouco desleixado quando se trata de responsabilidades, sempre deixou toda a burocracia para mim). Ele sempre zelou pelo bem estar de todos, colocava a comunidade acima da família. Isaac era casado com Eleanor Malachei (acho que foi daí, que seu pai tirou seu nome). Sua avó.

Ela era a mulher mais bonita de toda nossa Convenção. Tinha a mesma beleza européia que você e sua irmã, Josette, ostentam. Todos os homens ficavam embasbacados com um simples olhar seu. E também, não era de se estranhar; seus cabelos negros lembravam uma noite escura e os olhos azuis cinzentos levavam segredos que nós mesmos desconhecíamos.

Aparentemente, o casamento deles estava muito bem. Aparentemente. 

Os dois haviam se casado muito apaixonados um pelo outro, mas depois de dois anos, eles já não se entendiam da mesma forma. Isaac e Eleanor divergiam em muitas coisas quando se tratava da Convenção. Com seus intensos olhos azuis e cabelos louros, ele era muito mais sorridente e sempre fazia de tudo por aqueles a quem amava. Já Eleanor era muito austera e arredia, queria tudo à sua maneira e sempre tentou dobrar a vontade de seu marido, nunca conseguindo.

Havia boatos na Convenção de que eles estavam tentando ter um filho, pois todo líder precisa de um herdeiro. Porém, Eleanor não era capaz de segurar uma gravidez por muito tempo. Já havia sofrido dois abortos espontâneos. E a cada nova gravidez, os integrantes da Convenção enchiam-se de esperança, apenas para vê-la desaparecer com a morte de seu pequeno jovem líder.

Eleanor fazia de tudo para esconder o quanto sofria, descontando toda sua frustração e ódio em seu marido. Meu pai sempre foi muito carinhoso com ela, sabendo que era uma mulher muito frágil e precisava de amor e compreensão. Com o tempo todos passaram a estranhar o relacionamento de seu líder, com uma jovem Anciã, Savannah Nessboth. Eles sempre eram vistos juntos e conversando o tempo todo. E alguns até, ousaram dizer que acontecia algo entre os dois. Eleanor nunca gostou de vê-los juntos, mas algo que ela não sabia era que Isaac estava perdidamente apaixonado por Savannah. Esta que sentia o mesmo por ele e já havia cedido à aquela paixão dominadora. Claro, que ela se sentia extremamente culpada com aquilo. E pediu para que o jovem líder se afastasse dela. Savannah deixou de ser vista em público durante muitos meses. E algum tempo depois, já grávida, escondeu arduamente quem era o pai da criança. Eleanor estava desconfiada, mas não moveu um dedo esperando o momento certo.

Alguns meses depois, o bebê de Savannah nasceu. Era uma menina, que ela chamou de Theodora. Minha mãe me amou no primeiro instante em que pôs os olhos em mim. Era o ser mais amável e carinhoso que eu podia ter conhecido. Obviamente que minha semelhança com o líder da Convenção não escapou aos olhos maldosos de alguns. E com a cabeça cheia de ódio e inveja, Eleanor expulsou Savannah do Conselho dos Anciões.

Convergência Sombria | Bonkai | EM REVISÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora