Capítulo 2

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Não posso deixar de verificar meu
e-mail pessoal, embora Nestor, meu chefe, faça reuniões constantes para falar sobre como não devemos misturar nossa vida pessoal com a profissional. Tipo se você tiver atropelado um gato na rua antes de vir para o trabalho, ou se seu apartamento foi tomado por chamas e você perdeu tudo, ninguém precisa saber disso.
Igor está em sua baia, concentrado em um projeto grandioso de uma firma de advocacia. Eu o conheço desde a faculdade, quando cursamos, juntos, Arquitetura. Ele é meu melhor amigo.
Agente se entende como se ele fosse uma garota. Exceto pelo fato de ele não ser uma garota.

Nós nos damos muito bem, mesmo quando ele briga para não assistir aos episódios de Sex and the city comigo. E quando assiste, faz comentários do tipo "como as mulheres gostam de
cafajestes", o que é um recado direcionado a mim. Mas eu nem ligo.

- Ei, Igor! Como está o projeto? - pergunto, me aproximando.

- Ah, estou animado - ele diz e abre uma tela. - Olha esse novo revestimento. É lançamento. Vou
usá-lo !!

- Puxa, é lindo! - digo, admirada. - Vai ser um detalhe?

- Que nada! Os caras estão dispostos a gastar. Vou usar na fachada - ele diz e dá um largo sorriso.

- Uau! Vai ficar lindo! - continuo. - Não aguento mais aquele cliente do pet shop - limpo a garganta. - O cara já me fez mudar o projeto umas três vezes.

- Ih, mas por quê? Você tem o briefing? - ele pergunta e arruma os óculos.

- Tenho... - suspiro.

- Quer ajuda?

- Claro!

- Ok. Mais tarde, no final do expediente, então - ele diz e se volta para o monitor.

Igor é do tipo genial no que faz. No fundo, às vezes, sinto uma invejinha dos seus projetos perfeitos. Inveja boa, logicamente.
Acho que nunca o vi tendo que refazer um projeto. Os clientes sempre ficam encantados logo de cara. Mas talvez isso seja fruto de sua obsessão por trabalho.
Verifico meus emails com atenção.
Minha lixeira é sempre mais cheia que a caixa de entrada.
Honestamente, estou bem arrependida de ter pedido a Newsletter do Privalia.
Nada de interessante... Promoção em um hotel fazenda... Não consigo me lembrar, exatamente, de quando eu quis ir a um hotel fazenda. Fora isso, um tanto de correntes e apresentações em Power Point, que apago sem sequer abrir.

- Sarah? - ouço a voz rouca de Nestor bem atrás de mim e dou um pulo de susto.

Tento fechar a janela do Outlook, mas ela trava. Droga.

- Ei, chefe! Bom dia! Não está especialmente quente hoje? - digo e dou meu melhor sorriso de funcionária dedicada.

- Sarah, quantas reuniões precisarei fazer para que você pare de perder tempo vendo esses e-mails inúteis? - ele diz com uma expressão nada amigável.

- Não são e-mails inúteis - replico. - Eu me atualizo sobre novas tendências de arquitetura, sabia?
_Espero que ele sorria e diga que compreende, mas seu rosto permanece imóvel.

- Quero conversar com você em meia hora, ok? Na minha sala - ele diz e sai.

Instintivamente, penso que algo de ruim está para acontecer. A bronca deve ser muito grande. Talvez eu seja demitida.

- Igor? - sussurro por cima da minha baia.

- Oi - ele se vira e arruma os óculos, como sempre.

- Acho que vou ser demitida - tenho um súbito tremor ao me ouvir dizer.

- Por que você acha isso? - ele franze a testa.

- Sei lá... Fui chamada para uma conversinha... Acho que tem a ver com meus e-mails - digo.

- Ah, lá vem você de novo - ele faz um gesto com a mão e ri.

- E você ainda ri? - retorço a boca indignada.

- Bem, é que se você for demitida, eu também serei.

- Como assim? Vai pedir demissão em solidariedade? Você me ama tanto assim? - ironizo.

- Também fui chamado para a reunião - ele sussurra.

- Ah...

Nestor está debruçado sobre uns folders quando entramos em sua sala. Não faço ideia do que ele queira nos dizer, mas sua cara não está muito boa.

- Sentem-se - ele diz, apontando para as novas cadeiras Arne Jacobsen, berinjela, de sua sala.

- O que tem para nós? - Igor pergunta.

- Um desafio - ele responde e fixa seus olhos pretos sob sobrancelhas grossas em mim. Ok. Sei exatamente por que ele disse isso. Quando fiz minha entrevista para entrar na Dimensão Arquitetura, eu disse que minha maior qualidade era gostar de desafios.
Depois disso, qualquer cliente ranzinza ou projeto grandioso com poucos recursos são direcionados a mim.

- Ótimo - retruco.

- Uma agência de publicidade - ele diz. - Eles são muito exigentes. Foi um grande esforço conseguir trazê-los para cá e não posso decepcioná-los.
Droga.

- E quando podemos começar? - Igor parece empolgado, enquanto tento arrancar um pedacinho de cutícula que escapou da manicure.

- Segunda-feira. Legal. Nem faço questão de ver o cartãozinho. Mais um cliente chato. Onde estão as celebridades?

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