Capítulo 38

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Matthew observou as novas páginas xerocadas com um sorriso singelo no rosto. Ele via-se obrigado a reconhecer que era difícil escolher qual das muitas páginas existentes no diário de Paola iria xerocar, mas, ao mesmo tempo, estranhamente divertido escolher a ordem mostrada para a mafiosa.

O Whitehill apostava que isso enlouquecia Annabelle de certo modo. Alguém que sempre possuiu a ilusão de ter o controle de todas as coisas, de entendê-las, de repente não ter nem mesmo o poder cronológico sobre fatos importantes do seu passado?

Matthew sorriu, retirando a arma do coldre, colocou-a em cima da cama, logo em seguida desfez-se das peças de roupa que cobriam seu corpo. Precisava de um banho de água fria depois de mais um dia odioso em seu trabalho.

Agachando-se para pegar a calça no chão, foi impossível para Matthew não desviar o olhar para a tatuagem em seu joelho. Uma rosa dos ventos. O símbolo de orientação comumente tatuado por membros na máfia russa, acima do joelho, servia para lembrar a eles mesmos, e quem quer que entrasse no caminho, que a máfia russa não se ajoelhava diante de ninguém.

No entanto, Matthew não via a tinta permanentemente enterrada em sua cútis com aquele valor poético. Ela também era uma lembrança para ele, não da força da máfia russa, mas sim de a quem pertencia agora, como se fosse um objeto, algo sem valor. Gado. Um corpo que servia as ordens de alguém, por ser sua propriedade.

"Matthew Whitehill acordou atordoado, não se lembrava de como chegara ali, ou mesmo onde era ali. Lembrou-se da mala... de Alexander perguntando aonde ele iria... e então as últimas imagens do que havia feito avultaram sua mente com força total. Sentiu as lágrimas não derramadas queimarem seus olhos. Por meses se preparara para aquilo e agora descobrira que não fora o bastante. Nem que se preparasse por cinquenta anos ininterruptos ele poderia estar de fato pronto para o que fizera.

Catherine. Alexander. Charlotte... Sua pequena Charlotte... Nem pôde conhecê-la direito.

Tentou levar uma mão até os cabelos acobreados, mas não conseguiu. Matthew olhou para baixo, atordoado, e foi quando se deu conta de que estava amarrado. Os pulsos presos por uma corda firmemente atada à cadeira. Tentando se levantar mesmo assim, descobriu que os tornozelos também estavam amarrados.

Mas que diabos... Onde eles o tinham levado? Ele não conseguia enxergar absolutamente nada ao seu redor.

Foi tentando ver alguma coisa com afinco que Matthew quase ficou cego quando a luz foi acesa sem aviso. Ele piscou várias vezes tentando elucidar o que via...

Alguns passos soavam juntamente com o ranger inconfundível de uma cadeira de rodas.

Seu pai estava ali também.

— Parabéns, Matthew... Você conseguiu.

A compreensão de quem era pela audição veio antes da certeza assegurada pela visão. Mikhail...

Matthew soltou um riso banhado de ironia e terrivelmente angustiado.

Vocês conseguiram — ele frisou, finalmente sendo capaz de distinguir os rostos à sua frente. Mikhail, Rurik, seu pai, algum funcionário sem importância da máfia russa e um homem baixinho, segurando firmemente uma mala. Estava completamente vestido, mas, ainda assim, Matthew podia ver as tatuagens saindo pelos punhos e gola da camisa, tentando aparecer perante olhos curiosos.

— Nós não estávamos dirigindo o carro em questão, esse era você. — Mikhail começou uma gargalhando que foi acompanhada pelos outros, exceto pelo homem com a mala e o pai de Matthew que, antes mesmo de abrir a boca, já havia sucumbido em um acesso de tosse. A doença matava devagar no começo, e dolorosamente no final. Matthew adorava ver aquele homem sendo nocauteado aos poucos pelo único mal que foi capaz de vencer a maldade personificada que ele era: o câncer.

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