Não foi com espanto que eu apanhei um pequeno papel dobrado em dois que caíra do meu cacifo. Estava até feliz por Luke se ter lembrado de me deixar um recado, o que já era normal nestes dias.

"Desculpa não ter avisado que ia faltar, mas não consegui fazê-lo. Amanhã falamos, quero mostrar-te um sítio.

Luke"

            Os meus olhos percorreram a sua caligrafia milhares de vezes, como se, dessa forma, pudessem desvendar o motivo daquelas palavras e tudo o que obrigou Luke a ter de me comunicar estas coisas. Queria entrar na sua cabeça e ter acesso aos pequenos detalhes que ainda me escapavam, porém, por mais que tentasse, Luke ainda não estava assim tão preparado. Depois de soltar um pequeno suspiro, amachuquei o pequeno papel pautado e guardei-o no bolso do meu casaco, sentindo-me cada vez mais desmotivada. Vagarosamente, dei um passo na direção da saída e até aí me arrastei, desejosa de vislumbrar a doce luz do Sol. Folhas secas voaram na minha direção quando abri a porta do exterior, e tive de segurar o meu casaco de modo a resguardar-me desse vento frio de outono que fazia os meus cabelos levantarem voo.

            Cabisbaixa, segui até à paragem de autocarro, esperando que a demora não fosse muita. Só queria ir para casa e enfiar-me debaixo de cobertores, possivelmente a ver uma série ou um filme que me deixasse com um sorriso nos lábios. Queria aquecer o meu corpo e esquecer este dia cansativo. Sentei-me, então, no banco da paragem, aconchegando-me da melhor forma.

            – Amiga da Lillian. – uma voz masculina captou a minha atenção. Ao erguer a cabeça e olhar em frente, espantei-me, dando de caras com o meio-irmão da namorada do meu melhor amigo. Ele continha um sorriso nos lábios e, pela primeira vez, pude apreciar-lhe as feições de perto e sem a escuridão da noite. Os seus olhos, outrora tão negros e inexpressivos, revelavam agora um brilho verde, e, a avaliar pelas rugas de expressão, ele parecia ser alguns anos mais velho que eu.

            – Ashton? – o nome fugiu dos meus lábios antes que eu pudesse controlar. – Olá.

            – Olá. – ele forçou um sorriso, esfregando as mãos contra as calças apertadas que trazia vestidas. – Viste a Lillian?

            – Ah, não. – franzi o sobrolho, ligeiramente incomodada com a sua presença. Ele parecia não se lembrar da nossa última conversa, contudo, eu tinha perfeita noção de que isso ainda se encontrava bem aceso na mente de cada um. A forma agressiva como o rapaz me falara não despoletava em mim qualquer obrigação de simpatia, no entanto, eu estava a tentar recomeçar do zero e a agir de forma casual. – Eles hoje saem mais tarde, têm teste.

            – Eles?

            – A Lillian e o Michael.

            – Oh, sim. – abanou a cabeça. – O namorado dela.

            Mantive-me em silêncio durante alguns segundos, tentando manter os meus olhos afastados daquele rapaz atraente que parecia não fazer questão de se ir embora. Como das outras vezes, Ashton envergava uma t-shirt de mangas cavas, rasgada em vários locais, que deixava à mostra os seus braços definidos, cheios de músculo. Além disso, ele parecia ter o cabelo um pouco mais curto do que da última vez, o que lhe dava um aspeto mais jovial e simples. Comecei a bater com o pé na calçada quando Ashton não se desviou da minha frente, impedindo-me de ver a paisagem à minha frente.

            – Eu podia dar-te boleia. – sugeriu após longos minutos em silêncio. Olhei para ele, tentando compreender se estaria ou não a falar a sério.

            – Não, obrigada. Não quero incomodar. – tentei sorrir. – E o autocarro deve estar mesmo a vir.

            – Não incomodas. – insistiu, puxando o cabelo para longe dos seus olhos. – Eu não fui muito simpático contigo da última vez... deixa-me recomeçar.

Naive ಌ l.hWhere stories live. Discover now