Capítulo 03

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GISELLY

Ao entardecer, depois de sair do hospital, finalmente cheguei a minha humilde casa.

Fixei meu olhar involuntário para a varanda - lugar onde estive com ele pela última vez -, e logo minha disposição de abstinência aos abalos emocionais foram por água abaixo. As lágrimas rolavam quentes umedecendo todo o seco de minha pele.

Subi as escadas de madeira que rangia alto. Deslizei os meus dedos pelo corrimão lembrando-me de suas mãos ali apoiadas, enquanto ele contemplava as estrelas. Estava com os olhos cerrados, sentindo o gosto de tê-lo fresco em minha mente.

Minha mãe observava atenta a cada movimento meu. Encarei seus olhos por alguns segundos antes de entrar na casa.

FLASHBACK - PORTLAND - DIA 10 DE ABRIL

- Você demorou - ela indagou assim que me viu entrar pela porta.

- Passei na biblioteca para pedir minha demissão. - respondi, cansada.

Sem animo algum me joguei contra o sofá da sala. Tirei meus sapatos de forma desleixada e respirei profundamente preocupada.

- Uau, que disposição - ironizou. - Até ontem você estava tão feliz.

Dei uma última checada no meu celular.

- É o Austin. Ele não me retorna mais.

- Tenho certeza de que ele está bem. Só precisa de um tempo para se organizar.

Minha mãe se sentou ao meu lado para acariciar os meus longos cabelos.

- Você acha? - aproveitei o seu colo para me aconchegar. Precisava sentir aquele afeto.

- Tenho certeza. - sorriu. - Eu sugiro que você saia desse momento deprimente e venha tomar um café comigo e o Arthur. Afinal, você ainda não o conhece.

Aderi à sugestão de minha mãe. Ela tinha razão, o Austin com certeza estava se adaptando a nova cidade e ao emprego. Nesse momento estava fazendo o que mais queria e eu não tinha o direito de atrapalhar. Não enquanto eu estivesse longe.

Depois de me trocar, fomos à cafeteria para encontrar o tão precioso Arthur, o qual tanto instigou minha curiosidade. Ele deveria mesmo estar apaixonado pela minha mãe para querer dividir todos os seus bens com ela. E eu, claro, adorava a ideia. Não pelo interesse, mas pelo que ele poderia oferecer a ela que vai muito além de dinheiro: o amor.

Mamãe era uma mulher linda e jovem. Apesar de sua enfermidade, sempre se manteve esbelta e de bem com a vida. Suas histórias contam que já passou por muitas coisas na vida. Perdeu os pais ainda quando nova e desde então precisou se virar sozinha. Entre mãos sujas e outras, oscilando por anos, chegou a um momento que se deparou com a gravidez. Talvez tivesse sido a melhor coisa da vida dela, pois só assim encontrou uma direção em sua vida.

- Avisei que já chegamos - minha mãe comentou enquanto escolhia a dedo a melhor mesa para sentarmos.

Enquanto ela se decidia entre a mesa próxima ao jardim e a mesa próxima ao aquário, eu resolvi apalpar o celular para conferir se havia alguma chamada de Austin. A barra de notificações indicava duas chamadas de Alice, sua irmã.

Meu celular desligou na minha cara no momento em que eu pretendia atender a sua chamada.

- Merda.

Bufei, irritada.

- Cuidado com a língua, mocinha.

Olhei por cima dos ombros e me deparei com um homem, de pele cor de canela e algumas linhas de expressões que apontavam uma meia idade. Julguei ser um daqueles senhores revoltados com os jovens atuais e sua língua afiada, mas algo dentro de mim estremeceu ao notar seu jaleco branco e o forte aroma de hospital que o mesmo emanava. No mesmo momento meu estomago se contorceu me provocando um forte enjoo.

Minha mãe aproximou-se de nós, com uma expressão totalmente segura e resplandecente. Logo um nó se formou em minha garganta, na medida em que ela se destinava ao senhor mais o seu sorriso se alargava. E então, já face a face ela o beijou.

Meu peito convulsionou-se diante o que eu acabara de ver. Não era capaz de acreditar no quanto minha mãe podia ser tão baixa e sínica. Ela sem rodeios retornava a sua fútil e miserável estaca zero: a prostituição. Era evidente que aquele relacionamento se baseava em interesse. Não havia amor e muito menos um real plano de felicidade.

- Eu... - havia insegurança na minha voz, um desejo camuflado de jogar tudo para os ares. Sem prolongações, me recompus da surpresa e joguei o olhar para a causadora de tudo. Afinal, ela era a única capaz de esmagar meu coração com as próprias unhas. - Eu te vejo em casa mãe. - completei fria e objetiva.

Cerrei o olhar e fui relevante ao dar as costas para eles.

De repente, toda aquela ideia de ir para Washington havia se tornado um pesadelo. Minha mãe tinha consciência do quanto havia sido ingrata comigo ao tomar aquela decisão. Sabendo que eu dei duro para conseguir me estabilizar. Até um emprego arrumei para manter nossa casa e os seus remédios. Fiz tudo em prol dela e a mesma me enganou e me traiu.

Corria cegamente pelos quarteirões a caminho de casa. Lágrimas me ameaçavam durante todo o trajeto, mas não as permiti. Minha mãe não merecia.

Ao chegar ao jardim de minha casa, de longe pude ver Alice. Com tudo o que houve eu havia me esquecido de sua ligação.

- Alice! - gritei seu nome desesperada. Imaginava que ela trazia noticias de Austin. - Alice, o meu celular descarregou, não deu tempo de atender.

Assim que me aproximei eu pude ouvi-la. O seu soluço ecoava pelo espaço. Minhas pernas já duras e estremecidas me impediam de dar mais um passo sequer.

E foi nesse exato momento que ela se virou para mim e eu pude ver seu rosto. Queria não ter visto seus olhos vermelhos, o rosto completamente molhado somando a careta de choro. Eu pressentia tudo antes de ela falar.

- Não. - um soluço escapou dos meus lábios.

E foi a partir daí que os meus pesadelos começaram a tomar forma.

- O Austin morreu.

FIM DE FLASHBACK

FIM DE FLASHBACK

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Pedaços De Nós (Entre Desejos & Segredos)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora