Às vezes quando estamos no fundo do poço, o universo nos mostra que podemos nos afundar ainda mais.
Como qualquer adolescente, Giselly tinha responsabilidades com os estudos, uma convivência irrefutável dentro de seu lar e um romance dos sonhos.
M...
Era estranho sentir a brisa sobre meu rosto, novamente, depois de vários dias presa em um quarto calmo e frio. A luz do sol incomodava e o som das máquinas de construções me deixava louca.
— Pegue minha mão, filha. — minha mãe ofereceu, visto que eu estava oscilando.
Mirei seus olhos por alguns segundos. A forte vontade de parecer estável surtiu efeito em meu corpo. Segurei a sua mão calorosa e me esforcei para sorrir.
Minutos depois, estávamos a caminho de casa. Com a cabeça encostada no vidro e o rosto quente pela raiva que eu sustentava em meu peito, ouvi o novo pretendente de minha mãe tagarelando:
— Tenho certeza que você vai conseguir boas ocupações em Washington, Giselly. Vou garantir isso.
Uma lágrima significativa escorreu pelo meu rosto.
Aquele era o plano, e a menção dele me fez relembrar da felicidade que eu senti ao recebê-la. Mas naquele momento, com a ausência de Austin, o plano não significava mais nada para mim.
FLASHBACK - PORTLAND - DIA 09 DE ABRIL
— Eu mandei uma mensagem para Austin ontem à noite e até agora ele não me retornou. — eu disse à minha mãe assim que cheguei da escola.
— Não se preocupe amor. O sinal da operadora fica ruim com a distancia — mamãe afirmou de maneira vaga.
Ela estava se produzindo em frente ao espelho. Muito claro que cuidar de sua beleza era mais essencial que dar ouvidos as minhas preocupações.
— Posso saber aonde você vai? — fiz uma careta. Eu iria perguntar como ela estava se sentindo, mas estava claro que estava mais que bem.
Ela olhou para mim refletida no espelho e sorriu. Reparei que sua maquiagem estava um escândalo, preferi nem comentar do vestido justinho. Sei que ela sempre foi extravagante ao se produzir para qualquer que fosse o evento, mas aquele era especial. Ela ainda não sabia, mas eu já havia descoberto tudo que ela andava escondendo de mim.
— Eu vou me encontrar com uma pessoa. — respondeu.
— Por acaso essa pessoa é um de seus médicos? — ela logo me encarou surpresa. — Não se preocupa mãe. Eu não estou te repreendendo por isso. Só estou chateada por te escondido isso de mim.
— Não era pra você saber desse jeito. — bufou. — Como?
— Não importa.
Ela fez sua típica careta e sentou-se ao meu lado na cama. Formulou sua fala por alguns segundos antes de começar.
— Certo — começou. — O nome dele é Arthur. E eu estou saindo com ele há algum tempo. Enfim, conversamos muito e percebemos que tínhamos planos em comum.
— Quais planos?
— Ele gosta de mim de verdade. E está buscando alguém para compromisso sério assim como eu. — aproximou sua voz para completar — E tem muito dinheiro.
Não fui capaz de esconder o quanto aquele papo estava me entediando. Minha mãe sabia que eu não acreditava em homem bonzinho. Ainda mais sabendo de todos os abusos que ela já sofreu por esse tipo — demônio em pele de cordeiro.
— Mãe...
Comecei, mas fui Interrompida.
— Filha, eu estou disposta a morar com ele em outra cidade. — suas palavras me chocam. Ela havia acabado de confessar para mim um relacionamento e já estava a muitos passos à frente planejando um casamento e tudo. — Vai ser bom para nós, especialmente para você!
— Mãe — elevei a voz, para não ser interrompida novamente. — Esse papo para mim já deu. Eu tenho que ir para biblioteca agora. — me levantei brusca. — Para a vida real.
— Giselly! — continuei a me trocar para o trabalho. Não suportaria ouvir mais uma silaba daquela palhaçada. — Eu não quero que vá para biblioteca mais. Nem você vai querer.
Meu Deus. Ela não para.
— O que quer dizer com isso?
— Que nós vamos para Washington!
De repente os meus ouvidos se abriram com a vontade de ouvir mais.
Aquilo significava muito para mim. Eu estaria perto do meu amado. Sem despedidas... sem saudade... sem dor.
— Mãe. Não brinca comigo.
— É verdade. O Austin já sabia de tudo. Queria que fosse uma surpresa. — animou-se e eu logo me contagiei. — Pensa nisso filha. Nós duas vivendo bem, ao lado de quem amamos.
Sim, todo aquele discurso enchia meus olhos. Saber que não passaríamos mais aperto ou fome. Que ela teria um bom acompanhamento médico e eu ao lado do meu amor sem me preocupar com mais nada.
Era tudo que eu queria.
Era tudo que eu acreditava que ia acontecer.
— Deus, mãe. Obrigada de verdade. Obrigada!
Eu a abracei tão forte, carregando ali toda a felicidade que me consumia.
Eu depositei toda minha fé naquele plano de felicidade.
E foi o meu maior erro.
FIM DE FLASHBACK
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