Daí fui direto pro vestiário deixar minhas coisas e, antes mesmo de entrar, escutei alguém chorando. Tipo, chorando muito. Pensei que fosse uma das meninas e já tava preparado pra dizer que a gente ia usar o lugar em breve, mas, quando entrei, levei o maior susto.

Não era uma das garotas. Era o Sander.

Ele estava sentado no chão, escorado na parede, com o celular no ouvido. Não me viu chegando a princípio, só continuou soluçando e murmurando alguma coisa – com muito custo fui entender que estava sendo dito em inglês. Quando notou minha presença, ele tentou enxugar as lágrimas, mas não dava nem pra disfarçar. Ele tava roxo e com os olhos todos inchados.

Fiquei meio sem reação. Eu raramente via algum homem chorar – da última vez, se eu me lembro bem, foi meu tio Fábio quando descobriu que ia ter outro filho. E, principalmente, porque esse filho (filha, na verdade) não era com a mulher dele, a Andressa, mas sim com uma outra aí que ele engravidou "sem querer" numa noitada. Eu tinha menos de dez anos, mas me lembro como se fosse ontem. Ele parecia um bebê no colo da minha mãe...

Mas não tinha mãe nenhuma ali, e eu não sabia lidar com a situação.

– Desculpa – o Sander falou antes que eu pudesse sequer me mexer. – É só... sentindo falta.

Olhei pro celular dele e vi a foto das irmãs como plano de fundo. Ele devia estar falando com a família de lá.

– Deve ser difícil – comentei. – Vocês parecem muito unidos.

Eu nem sei se sentiria tanta falta do meu irmão, ou da minha família num geral se fosse viajar ou fazer um intercâmbio, mas sempre ouvi dizer que a gente não consegue prever essas coisas, né. O Sander ia passar um ano fora, longe de tudo e todos que ele conhecia. Devia ser barra mesmo...

Ele sorriu de lado e se levantou, arrumando a roupa. Percebi que estava de calça jeans e uma blusa larga qualquer, nada de chuteiras nos pés e não vi nenhuma mochila por perto. Franzi a testa e me aproximei.

– Mas troca de roupa aí, cara. Joga um pouquinho. Futebol sempre alivia as dores! – eu brinquei, mas ele não riu.

– Não vou jogar. Só vou falar com o professor e vou para casa.

Fiquei confuso e vi que ele estava saindo do vestiário, sem se explicar. Agarrei o ombro dele sem pensar, e o Sander se virou pra mim, desconfiado.

– Como assim não vai? A gente tá contando contigo no time...

– Eu sei que não estão – ele me interrompeu e ponderou um pouquinho sobre como continuar. – Vocês não precisam de um palhaço no meio do campo. Não quero atrapalhar o treino sério.

Ele falava ao mesmo tempo com cinismo e mágoa. Fiquei meio chocado, não esperava que ele fosse cair fora assim. Digo, não que eu fosse aguentar as piadas; se eu fosse o Sander, já teria apelado faz tempo com o Carlos. Mas ele não era eu. Eu nem sabia que ele estava entendendo o que os outros diziam!

O intercambista continuou, parecendo ler meus pensamentos:

– Vocês acham que eu não sei quando estão fazendo piada comigo, mas eu sei. Eu entendo tudo, só não falo pra não gerar confusão. E eu não quero briga, então vou deixar vocês em paz. Foi bom enquanto durou, mas eu sei a hora de parar...

– Ei, ei! Espera aí! Não leva pro lado pessoal, e não é todo mundo que fica zoando...

– Não?! – ele me olhou como se eu fosse louco. Nem sei se já entendia o que era "zoação", mas a julgar pela raiva que ele transpareceu, essa era a última das palavras que o preocupava. – Sério mesmo, Renan, todo mundo ri de mim. Eu sei! Até você, até o Daniel. Não precisa se justificar, mas eu também não quero ficar insistindo em algo que não agrada nem a mim, nem aos outros ao redor. – ele fez uma pausa, passou a mão na cabeça quase raspada (acho que ele fazia isso com frequência, porque nunca tinha visto o cabelo dele crescer mais que um centímetro naqueles dois meses que nos conhecíamos) e continuou: – Eu só tenho mais nove meses aqui. Não quero perder tempo com o que, muito menos com quem não vai fazer a estadia valer a pena.

Foi como se ele tivesse me dado um soco no estômago – aliás, acredito que o efeito teria sido menor, inclusive. Me senti mais péssimo do que já vinha me sentindo. E me senti culpado, realmente pesaroso. Ele tinha razão em tudo o que dissera, porém, e acho que era aquilo que doía mais.

Eu o vi deixar o vestiário com um semblante triste no rosto, mas confiante. Fiquei lá, pensando, sem sair do lugar, sem saber o que fazer... Olhei pra porta e vi que o Nasser tinha chegado. Se o Sander falasse com ele...

Não sei o que deu em mim. Saí correndo, tropeçando em mim mesmo pra impedi-lo no meio do caminho. Eu estava meio desorientado, mas falei a primeira coisa que me veio na cabeça, sem me preocupar muito com as gírias e as palavras que ele não conhecia:

– Eu não sou assim! Não sou igual a eles, não fico fazendo piada com você! – ele me fitou cético, mas me deixou terminar de falar. Eu tinha que dizer tudo de uma vez, senão nem ia conseguir. – Olha só, eu me importo, tá bom? Não quero que você se sinta mal, quero que aproveite aqui o máximo que puder! Então... – e, de repente, a ideia brilhante surgiu. Eu até consegui sorrir! – Então que tal a gente, sei lá, tentar de outro jeito? Você já foi ao estádio, ver um jogo de futebol ao vivo? Digo, profissional, com torcida, tudo o que tem direito... Um clássico, talvez!

Ele foi acompanhando meu raciocínio bem lentamente...

– Vamos? Ao estádio? Acho que consigo descolar um par de ingressos pro jogo amanhã. Sei que tá em cima da hora, mas amanhã é dia de clássico, acho que você vai gostar!

Não sei se ele entendeu metade do que eu disse, porque falei rápido e todo embolado, mas uma coisa ele pegou: a palavra estádio. Vi seus olhos brilharem, a expressão suavizou na hora.

– Estádio? Estádio daqueles... igual Copa do Mundo?

Eu tive que rir antes de explicar que, sim, igual aqueles. Será que eles não tinham estádio de futebol nos Estados Unidos?? Mas eu sempre via aqueles jogos de beisebol naqueles lugares enormes, imaginei que fosse comum. Mas, pelo visto, eram coisas diferentes.

– Você está me convidando pra ir a um jogo de futebol amanhã, num estádio? – ele ainda parecia desconfiado, mas eu afirmei.

– Olha, vou conversar com meu irmão. Ele sempre consegue ingresso pra essas coisas... Aí hoje de noite eu te aviso, pode ser? Te mando uma mensagem, te ligo pra avisar se consegui ou não. Se tivermos os ingressos, seus pais te liberam, né?

– Acho que... sim. – ele hesitou. – Me avisa?

Eu sorri e assenti. Nem me dei ao trabalho de pensar porque aquilo era tão importante, mas era. E eu não ia deixar ele sair andando assim, não.

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