Capítulo um

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- EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ CHEGOU! – Lola grita a plenos pulmões quando me vê entrar no dormitório, carregando meia tonelada de malas.

Parece clichê, eu sei. Mas não pense que eu sou uma daquelas garotas que vai para a universidade, mora com a melhor amiga em uma residência estudantil, vai para festas no meio da semana e se apaixona à primeira vista pelo cara mais lindo do mundo, que, infelizmente, tem namorada. Eu, definitivamente, não sou essa garota.

Para falar a verdade, a única coisa que eu penso em fazer durante a semana é dormir e estudar. E amor? Eu dispenso, obrigada! Já estou madura o bastante para saber que amor romântico não existe. Descobri isso no mês passado quando meu namorado de dois anos (dois anos de namoro, ele não tinha dois anos, óbvio) me dispensou com a desculpa do "preciso de um tempo para pensar, mas não é você, sou eu", que significa "estou indo para a faculdade e quero pegar todas". Ou seja, eu estou vacinada contra homens que parecem bonzinhos e depois mostram sua verdadeira face canina.

- Zahara, estou tão feliz que você chegou! – Lola diz novamente, dessa vez levantando-se da cama para me dar um grande abraço.

Lola é minha vizinha desde que eu nasci. Ela é onze meses e vinte e cinco dias mais velha que eu e por esse motivo nunca pudemos ir à mesma turma na escola (!). Por isso, ela entrou na universidade antes de mim. Felizmente, sua antiga colega de quarto se formou no ano passado, e eu terei a chance de morar pertinho dela novamente. Isso me traz bastante alegria, que é algo que não tenho tido nos últimos dias. Embora Lola seja um pouco maluca, vez ou outra (sempre, na verdade. Seu cabelo rosa comprova minha teoria), ela é uma ótima companhia, uma vez que ela é sociável e bem humorada e eu sou... Bem, digamos apenas que eu não gosto tanto de contato social, porque me irrito muito facilmente com as pessoas. Portanto, ela faz o trabalho pesado por nós duas e eu pareço simpática ao invés da megera que sou.

Por falar em megera, lembrei-me agora de Shakespeare. Felizmente, irei estudar Artes Cênicas e, em uma das matérias que me inscrevi, será feita a produção da peça de Romeu e Julieta. Simplesmente incrível. Mais incrível ainda será quando eu conseguir pegar o papel principal e mostrar a boa atriz que sou. Talvez eu não seja a melhor das melhores, mas sei que ao final do curso estarei preparada para ser uma estrela. Esse é meu sonho.

- Eu também estou feliz – respondo a ela, abrindo um grande sorriso para abraçar minha melhor amiga. – Apesar de um pouco cansada da viagem.

Eu viajei de ônibus durante cinco horas até a cidade de Florianópolis. O trânsito estava terrível, principalmente para chegar até esse prédio.

- Você terá tempo para descansar, à noite – ela me diz, sorrindo. – Hoje eu preciso te mostrar as redondezas.

Esqueci de mencionar que também não gosto muito de sair de casa?

- Claro – eu digo, porque sei que a fará feliz me levar para vários lugares como se fôssemos duas pré-adolescentes andando de braços dados dentro de um shopping.

- Mas primeiro vamos guardar suas coisas. Você pode ficar com essa metade do armário – Lola fala, abrindo as portas de madeira de maneira dramática. Acho que ela deveria estar estudando Artes Cênicas também, ao invés de Artes Plásticas.

- Só tem essa parte do armário, então é óbvio que eu vou ficar com ela, Leonor.

- Não me chame de Leonor, não combina com meu espírito livre – ela me adverte, cantarolando. Lola nunca gostou de seu nome de verdade, porque diz que parece nome de avó.

Eu esboço um sorriso enquanto abro uma de minhas malas para retirar as roupas. Eu, apesar de ser um pouco carrancuda, estou feliz por estar aqui. O quarto é muito bonito, também, com as paredes roxas, as camas brancas, tapete felpudo verde e quadros coloridos pendurados na parede. Aliás, foi Lola quem pintou os quadros. Ela é muito talentosa.

- Cara, que bom que você chegou, nem acredito que vamos passar o ano juntas – Lola fala com um sorriso enorme no rosto.

Eu dou uma risada.

- Primeiro: nunca mais me chame de "cara" – digo, fazendo aspas com as mãos. – Segundo: você já me disse isso.

- MAS EU ESTOU FELIZ! – ela grita, cantarolando enquanto pula na cama. Quando eu a lanço meu melhor olhar de frieza, ela se joga sobre o colchão, deitada. – Eu sei que você ainda está um pouco triste por causa do Kevin, mas por favor, não pise em cima da minha alegria.

Quando ela diz o nome de meu ex-namorado, eu sinto vontade de pular dentro da mala e fechar o zíper.

- Nós não estamos permitidas a falar sobre ele – digo. – Você me avisou que ele não prestava, eu não te escutei, namorei dois anos com um idiota e agora estou recuperada. Você ouviu? Eu estou recuperada!

- Tudo bem, tudo bem – ela fala, levantando as mãos para o alto. – Nós não vamos falar sobre você-sabe-quem.

- Ótimo!

Ficamos em silêncio por alguns segundos (porque esse é o tempo máximo que Lola consegue calar a boca) e, quando coloco a última peça de roupa dentro do armário, ela pula da cama.

- Será que você pode parar de se fazer de difícil e me dar mais um abraço? – ela pergunta, fazendo beicinho. – Faz um ano que não nos vemos, garota!

- Nós estamos nos vendo agora – respondo, abrindo os braços e um sorriso quando a vejo correr, feliz da vida, em minha direção.

- Esse ano vai ser de arrasar! – ela diz, me apertando.

Por algum motivo, aquela frase me deu um frio na barriga.

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