O Viajante - Capítulo XXXVI - Levi - Abril de 1973

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O Mikael e o Grilo vieram correndo para a minha casa junto comigo. Eu nem fechei o portão quando saí. A Lurdes tinha viajado para fazer companhia para a filha, portanto, não tinha mais ninguém para ficar em casa, junto da Tereza, enquanto eu pedia ajuda.

Corri até o quarto da minha mãe e me agachei do lado da cama. O corpo dela estava frio, tremendo e ela estava falando umas besteiras sozinha.

— Mãe, chamei ajuda. — Fiz carinho no seu cabelo. A pele escura da Tereza estava empalidecendo, principalmente na boca.

— Eu tenho que ir na igreja hoje... — Ela falou, com os olhos se movendo para cima.

— Vai ficar tudo bem, velhinha. — Eu estava chorando. — Já vai passar.

O Mikael entrou no quarto e o Grilo veio atrás. O enfermeiro caminhou até o lado da cama da minha mãe, pegou o braço fino dela pelo pulso.

— Me empresta seu relógio. — O enfermeiro pediu. Tirei o relógio do pulso e entreguei para o rapaz.

Ele ficou em silêncio por um tempo curto.

— Ela tem que ir pro hospital agora, Levi. — Por fim, falou. — Sua mãe tá entrando em choque.

Eu não sabia o que era aquele choque que ele estava falando, mas não importava. Tudo o que eu queria era salvar a minha Tereza.

— Eu liguei pra Isabelle, ela tá vindo.

— Ótimo. Wolfgang, pega uns travesseiros ou almofadas. Levi, tenta manter sua mãe acordada. — O Mikael falava de um jeito que só alguém muito estudado saberia falar.

O Grilo saiu correndo do quarto e o enfermeiro pegou o cobertor, que estava na cama, e cobriu a minha mãe. Ele voltou a segurar o pulso dela.

— Mãe, vamos rezar uma Ave Maria. — Pedi. Tereza adorava ir para a igreja antes de adoecer. Era uma carola.

— Ave Maria, cheia de graça... — Ela balbuciou. A velha entendeu o que falei.

— O senhor é convosco... — Essa reza me lembrava o reformatório e toda a merda que vi lá, incluindo as surras terríveis que levei. Porém, nada disso importava. Eu tinha que manter a minha mãe viva. E Deus precisava me ouvir.

— Bendita sois vós entre as mulheres... — Ela continuou. Olhei para a Virgem Maria no altar do quarto. Queria que ela salvasse a minha mãe. A mãe de Deus tinha que ter piedade dela. Eu não merecia, mas a Tereza, sim.

— Bendito é o fruto do vosso ventre Jesus. — Minha mão acariciava os cachos dela.

Ouvi um barulho alto. Olhei para ver o que era e vi que o Grilo deu de cara com o batente da porta escancarada. Ele estava segurando um travesseiro.

— Tá tudo bem? — O Mikael perguntou. O magrelo ignorou a dor da pancada e a pergunta do enfermeiro. Ele correu até a cama e colocou o travesseiro em cima dela.

— Só achei esse travesseiro. — O Grilo falou ofegante. O lugar da pancada em seu rosto estava vermelho.

— Tá, serve. — O outro respondeu. Ele segurou as pernas da minha mãe e colocou o travesseiro debaixo delas. O Grilo foi até a parede e escorou nela, abaixou o corpo e se apoiou nos próprios joelhos, sem fôlego.

— Mãe, não para de rezar. Lembra... — Voltei a olhar para ela. — Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores...

— Agora e na hora da nossa morte... — Minha mãe continuou.

— Amém. — Continuei a acariciar seus cabelos. Minha mãe fechou os olhos. — Mãe! Acorda! Fica acordada!

Ela abriu os olhos novamente. Ouvi um barulho vindo da varanda e ouvi a voz da Isabelle. O Grilo se afastou da parede e saiu correndo do quarto e voltou com a Isabelle.

Filhos da EntropiaWhere stories live. Discover now