O Viajante - Capítulo XXV - Wolfgang - Abril de 1973

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Mesmo com a tristeza excruciante em meu peito, me levantei. Meu pulso deslizou da mão do Mikael e o enfermeiro se levantou junto comigo.

O ônibus tombado estava com os vidros quebrados do lado esquerdo, incluindo o do para-brisa.

- A gente... - Sussurrei e minha voz reverberou. Mikael, Levi e Isabelle me olharam com atenção. - Pode entrar pelo para-brisa quebrado.

- É verdade. - Isabelle observou. A luz esmeralda refletia em sua pele e nas lentes dos seus óculos. Ela estava roendo os cantos das unhas.

Ninguém ousou a andar um passo. Meu coração batia com força e meu corpo estava arrepiado. Tudo o que eu queria era correr dali.

- Eu não tô vendo as nossas contrapartes... - Ouvi a jornalista dizer.

O primeiro passo foi o meu. Senti que precisava avançar, apesar de todos os meus instintos me pedirem para fugir.

Caminhei até o veículo tombado. Ele parecia ser branco a julgar pela intensidade que refletia o brilho esmeralda, espalhando aquele esplendor na superfície da lataria. Entretanto, haviam detalhes mais escuros na pintura do ônibus cujo fulgor se tornava pálido e cinzento.

Mikael caminhou ao meu lado e notei que o Levi e a Isabelle vieram atrás de mim. Eles provavelmente hesitaram antes de me seguirem.

Olhei para dentro do ônibus, através do parabrisa quebrado. A lataria projetava uma sombra no interior do ônibus. A própria escuridão tinha nuances mais intensas, cujo cinza se tornava quase negro. Eu não era capaz de enxergar direito em meio ao breu.

Os cacos de vidro, espalhados parte para dentro do ônibus e parte pelo asfalto aos arredores, brilhavam como pequenas esmeraldas.

Agachei pelo vão do parabrisa e entrei, com cuidado, pela parte dianteira do veículo. Me esgueirei alguns passos à frente. Mikael veio logo em seguida, depois dele, a Isabelle e, por fim, o Levi.

O ônibus estava tombado para a esquerda, totalmente virado de lado sobre a rua. As janelas, à esquerda do automóvel, estavam contra o chão e as da direita estavam acima de nós. Pelo vidro delas, a luz verde nos iluminava, refletindo tons de esmeralda em nossas peles. À nossa direita, estavam os bancos, formando uma parede de assentos e à esquerda, via-se o teto do ônibus

Restou passarmos pelo estreito corredor que se formou no espaço entre os assentos e o teto.

Aquele espaço era minúsculo e eu podia ouvir a respiração de todos ali dentro. Para conseguirmos nos mover, éramos obrigados a andar agachados e minha costas doíam devido àquela postura. O ambiente fechado estava terrivelmente abafado e parecia ser difícil até mesmo respirar. Tínhamos apenas um frágil vislumbre do interior do ônibus. Tudo aparentava estar cinzento, a luz não era intensa o suficiente para iluminar todo o interior do veículo. Aquele lugar parecia existir apenas em um espectro de cinza e esmeralda. Eu era capaz de ver as formas das coisas lá dentro, mas não conseguia distinguir os detalhes

Caminhei um passo para frente e ouvi Mikael avançar um passo também, assim como a Isabelle e o Levi. O guincho constante era mais suave lá dentro e se misturava às nossas respirações pesadas.

Avançamos mais alguns passos.

Os sapatos velhos pisavam sobre a lataria amassada e as janelas quebradas, que agora faziam o papel de chão. Olhei por cima do ombro e vi que a passagem de saída estava totalmente bloqueada pelos três ali. Nós quatro estávamos em fila indiana no vão entre os assentos e o teto. Tratava-se de um espaço estreito e o corpo de um adulto era o suficiente para o obstruir.

- Vocês tão sentindo esse cheiro de sangue? - O Mikael perguntou.

Senti um cheiro metálico. Meu pé se afundou em algo macio e, em seguida, atingiu uma superfície dura. Ela, por sua vez, cedeu e estalou. Um líquido quente respingou na minha meia. O cheiro metálico se tornou mais intenso. Era sangue.

Filhos da EntropiaWhere stories live. Discover now