O Viajante - Capítulo XXXI - Mikael - Abril de 1973

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Recostei no assento do ônibus. A aula daquele dia tinha sido tão chata que minha cabeça estava explodindo. O momento cívico foi conturbado também. Alguns alunos, que não se comportavam, apanharam feio dos professores. Um deles recebeu uma régua de madeira de 40 cm direto na cabeça.

Mas ainda era melhor do que ficar em casa. Meu estômago estava revirando e gelado, como sempre acontecia quando eu voltava da escola. Porém, meu irmão precisava de mim. Ele tinha só 3 anos, eu não podia deixar meu pai bater nele.

Nesse momento, um som alto tomou conta do ônibus. Meu corpo voou para a esquerda e senti minha cabeça se afundando na lataria. E antes que eu pudesse sentir dor, tudo se apagou.

Acordei em um sobressalto.

— Mikael, o que foi? — Ouvi a voz da Eliza. Levantei a cabeça e olhei ao redor. Eu estava na copa do hospital. Lembrei de ter me debruçado sobre a mesa para descansar alguns minutos e, aparentemente, acabei dormindo.

A enfermeira estava pegando café e me olhava assustada.

— Nada. Tive um sonho estranho, só isso.

— Você acordou num pulo. — Eliza pegou outro copo e encheu do café que estava no bule sobre a mesa. — Toma, você vai precisar. — E me entregou o copo.

— Obrigado. — Agradeci. Eu realmente precisava de café. Era a segunda noite que eu tinha o mesmo sonho. De certo, era a lembrança do tal acidente que tirou a minha vida no passado.

Eu estava perturbado com tudo o que estava acontecendo. Há algum tempo eu não falava com a minha mãe e estava preocupado com ela e o Samuel. As recordações dos cadáveres no ônibus também não saíam da minha cabeça. E o Wolfgang também não. E depois de tudo isso, eu sonhava com a lembrança do acidente e isso não me deixava dormir. Era como estar no meio de uma tempestade.

Mas eu não podia perder o controle.

O plantão não era hora para pensar em nada disso e eu me afundei no trabalho. Cheguei até mesmo a ser grato às emergências, por mais mesquinho que isso fosse.

Após o plantão, peguei o ônibus. Durante todo o percurso, olhei pela janela. Era um dia quente. O sol brilhava sem piedade alguma e o azul do céu sem nuvens se estendia até a linha do horizonte.

Quando o veículo parou na estação do quarteirão da casa dos meus pais, eu desci do ônibus. Sabia que aquela não era uma decisão racional e tinha tudo para dar errado, mas não consegui me controlar.

Caminhei até a minha antiga casa. Minhas entranhas gelaram e senti um peso no peito conforme eu me aproximava da residência. O suor em meu rosto passou a se acumular em pequenas gotas e escorrer pela minha pele.

Eu estava tremendo.

Parei na calçada oposta a da minha casa, atrás do carro de um vizinho e olhei pelas grades do portão. Vi a silhueta de alguém.

Não pude me conter e saí de trás do carro, atravessando a rua e me aproximando do portão.

A silhueta era da minha mãe. Ela estava regando suas roseiras.

Eu quis chamá-la. Abri a boca para isso.

E mudei de ideia. Se ela me visse ali, só iria sofrer ainda mais. Além disso, Isaac podia chegar a qualquer momento.

A razão voltou para mim e decidi ir embora. O melhor a se fazer era pegar o ônibus e ir para a casa do Wolfgang. E eu fiz isso, em meio às malditas lágrimas.

Nos últimos dias eu não sentia vontade de conversar com as pessoas, principalmente com o Wolfgang. Eu o evitava o máximo que conseguia.

Filhos da EntropiaWhere stories live. Discover now