O Viajante - Capítulo XVIII - Wolfgang - Março de 1973

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Através do vidro da janela do ônibus, meus olhos encararam o céu iluminado pelo clarão verde enquanto meus ouvidos eram invadidos pelo zunido.

Eu estava ali, sentado naquele mesmo assento de antes. Entretanto, minha contraparte adolescente não estava mais ao meu lado. O ônibus estava completamente vazio.

Senti medo. As lágrimas escorreram dos meus olhos. Tudo o que eu pensava era que eu não queria morrer.

Mas eu não queria sofrer também...

Por que eu estava pensando aquilo? Por que eu estava com medo de morrer? Ou sofrer?

Meus olhos abriram bruscamente e eu despertei em meio a um grito. Meu peito arfava intensamente e minhas costelas doíam em fisgadas devido as fraturas.

Eu fitei um teto de madeira e notei que estava deitado sobre algo. Minha mente estava desorientada e eu não conseguia entender o que estava acontecendo.

Olhei para os lados e vi um quarto branco muito espaçoso, com várias macas de metal tingido de branco. Sobre as macas, estavam finos colchões cobertos por lençóis, também brancos e manchados pelo tempo. Eu estava deitado sobre um leito desses.

Naquele amplo espaço, tinham muitas pessoas deitadas nas macas. A maioria ali estava com soro apoiado em um suporte ao lado de seus leitos, ligadas a esse soro por uma fina mangueira transparente.

Olhei para o meu próprio braço e vi que eu também tinha um acesso ao soro em minha mão direita. Notei que algumas pessoas andavam por entre os leitos, eram todas mulheres. Elas usavam roupas folgadas e brancas e seus cabelos, em sua maioria, estavam presos. Deduzi que eram enfermeiras.

Minha cabeça estava doendo como se algo estivesse latejando dentro dela. Uma enfermeira se aproximou de mim e olhou para o suporte dianteiro da cama.

- Leito E21... Wolfgang Nunes... Die... Dietze. Dezoito anos. Estado de mal epilético. - A enfermeira pareceu ter lido aquilo. Ela pronunciou o "W" do meu nome com som de "U" ao invés de "V". Eu não poderia culpar a mulher, ninguém era obrigado a saber pronunciar o meu nome.

Rapidamente, a enfermeira se afastou sem dizer mais nada.

Minha respiração se tornou pesada mais uma vez e aquele medo arrebatador voltou. Eu não queria morrer, isso era tudo o que se passava na minha cabeça. Que porra era aquela? Eu estava morrendo? Por que eu sentia tanto medo?

Além disso, eu já não sonhava mais com aquele fenômeno desde o dia que fui até a rua 18, pela primeira vez, com o Mikael. Por qual razão eu estava sonhando de novo?

Tudo era confuso demais e nenhuma daquelas perguntas tinha resposta.

- Wolfgang? - Ouvi a voz do Mikael. Saí dos pensamentos que me atormentavam e me senti aliviado. Virei o rosto em direção a voz do enfermeiro e o olhei. Ele também usava roupas brancas, em um conjunto folgado composto por uma camiseta e uma calça.

- Que porra foi essa? O que tá acontecendo? - Perguntei bruscamente, deixando tudo escapar em palavras que se atropelavam.

- Calma. - O loiro pediu. Ele se aproximou do soro que estava ligado a minha veia, a fim de certificar de algo. Suas mãos tocaram o frasco que, lentamente, pingava por dentro uma pequena cavidade cilíndrica antes de passar pela fina mangueira que estava ligada ao acesso na minha mão. Eu não entendia nada daquela coisa, mas Mikael entendia.

Seus olhos estavam concentrados. As mãos dele eram firmes ao tocar o soro. O rapaz franziu levemente as sobrancelhas e seu rosto, com traços fortes, pareceu ganhar uma expressão confusa ou incomodada. Os cabelos loiros estavam bagunçados e ele estava abatido, com profundas olheiras, mas ainda assim, continuava muito bonito. Certamente, seu conhecimento salvou a minha vida e sua persistência foi capaz de me colocar naquele leito para ser atendido a tempo. Ele salvou a minha vida pela segunda vez.

Filhos da EntropiaWhere stories live. Discover now