Dez dias atrás

23 4 1
                                    

Quando eu acordei James havia me enviado dois áudios no WhatsApp. O primeiro foi há 2h atrás.

"Reggie, você não sabe, mas seu irmão tá ameaçando de me matar. Peraí, um segundo.
Tenho que ir. A gente está brincando com a água da fonte na praça, e tem um policial se aproximando. Talvez ele queira brincar também, talvez vá prender a gente… Vai saber.”

Quase cuspi a água que estava bebendo. E então, alguns minutos depois, ele mandou:

“Tudo certo. Estamos bem. Ninguém foi preso. Queria te dizer que me diverti muito com você ontem, espero que tenha sido bom pra você também. E também quero te lembrar que você prometeu ler alguma coisa no Baumarkt hoje à noite. Sem desculpas!”

Certo. Eu tinha prometido.

Aquele seria o último sarau de James no Baumarkt, depois de quase quatro anos organizando o evento; um lembrete amargo de que ele iria embora de Vienna em menos de duas semanas.

Em duas semanas não haveria mais ninguém para nos convencer a beber vinho de tarde, ninguém para espalhar a palavra de Joni Mitchell e ninguém para determinar quais queijos eram gays, héteros ou assexuais.

O que seria de Vienna sem James?

Fui ao Lovegood's tentar escrever alguma coisa para aquela noite. O sr. Lovegood me serviu uma sobremesa de maçã caramelizada que estava deliciosa, mas não ajudou em nada a minha criatividade.

Minha vontade era arrancar meus cabelos. Não havia um pingo de criatividade dentro de mim. Eu preferia me ater aos fatos na Wikipédia – que eram diretos e comprovados.

De repente, uma sombra se formou sobre meu caderno. Olhei para cima. Era uma garota de cabelos longos, quase completamente brancos de tão loiros, e um rosto extremamente angular.

— Ei! Eu te conheço! — eu disse.

Era Pandora Lovegood. Ou melhor, Dora.

Dora jogou sua bolsa na mesa, quase derrubando meu notebook, e se sentou. Ela apoiou os pés sobre a cadeira.

— Você é exatamente como nas fotos — comentei.

Dora cruzou os braços.

— Ah, jura?

— Não foi isso que eu quis dizer — gaguejei. — É só que você é… Você é muito bonita.

— Ah, por favor, continue — ela disse, batendo palmas. — Não há nada que eu ame mais do que ser objetificada, especialmente pelo nerd que fez minha página na Wikipédia.

— Não, não, eu não estou objetificando você. Na verdade, eu…

— Só estou brincando contigo — Dora disse. Seu sotaque era bem leve, mas ela parecia mais americana do que qualquer outra pessoa que eu havia conhecido em Vienna. — Obrigada pela página, não quero soar narcisista e dizer que gostei, mas… Eu gostei. Então, meu pai disse que você está com dificuldade pra escrever um poema. É para a faculdade ou algo do tipo?

— Ele te disse isso?

Ela me mostrou as mensagens, que estavam em alemão mas podiam ser traduzidas para algo mais ou menos como:

GAROTO QUE ESCREVEU SUA PÁGINA NA WIKIPÉDIA ESTÁ TENTANDO ESCREVER UM POEMA, VOCÊ É UMA LINDA ESCRITORA, TALVEZ MINHA LINDA FILHA PUDESSE FAZER UM FAVOR PARA ESSE POBRE AMERICANO.

— Acredite — Dora disse. — As mensagens dele são ainda mais ridículas quando estou na faculdade. Ele fica muito empolgado pelo celular e acredita que eu herdei o jeito dele com as palavras. Pode colocar isso na Wikipédia — ela acrescentou, dando uma piscadinha.

The explosion of everything Where stories live. Discover now