Capítulo 15

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Capítulo 15 – Luara

Depois de fumar, o strogonoff veio na hora certinha e o Digão foi embora, fiquei assistindo filminho.

A maneira que ele me olha tá presa na minha mente e volta pros meus pensamentos a cada dois segundos.

O olhar escuro dele é lindo, o sorriso dele, nas poucas vezes que ele sorri é lindo também. Mas o que mata é a áurea de gostoso que ele tem, que é difícil tu não se imaginar sentando horrores pra aquele homem.

Luara: Que filho da puta — xingo, porque tô começando a ficar irritada — Ele vem aqui, fala meia dúzia de palavras e me deixa assim. Porra, Luara, isso só pode ser a seca que tu tá, minha filha.

Eu tenho o meu valor também, sou gata, modéstia à parte... Poucas vezes que eu fui na rua aqui na favela, já chamei a atenção de alguns caras. Preciso ficar com alguém porque esse aí é problema certo, não tem como eu me colocar nessa porra, só se eu for muito burra.

Levanto do sofá e vou buscar meu celular no carregador, preciso dar um jeito nisso, ver gente...

Abro o Whatsapp, clico no grupinho que o João criou comigo e com a Luiza, e começo a digitar.

Mensagem de Luara: Quem topa um litrão na dona Marilene?

Envio a mensagem e já corro pro meu armário pra pegar uma roupinha e ir tomar banho.

(...)

O sol tá se pondo quando a gente chega no bar da dona Marilene. Olho o sobe e desce nas ruas do morro e suspiro aliviada, o clima agora tá bem melhor do que nas semanas anteriores, tá tudo fluindo bem e o comércio tá bombando. O que me dá mais esperança em conseguir dar um rumo pra minha vida.

João: Oi, dona Marileneeeeee — grita da mesa onde estamos e ela sorri, fazendo sinal de quem já vem até nós dois.

Luiza: Parece que Luara adivinhou o que eu queria pra hoje — puxa a cadeira de plástico e senta do meu lado.

Luara: Calor do cacete em casa, tava dando pra ficar mais lá não —tiro o chinelo e dobro uma perna pra cima da cadeira — Domingão desse.

Luiza: Eu tava entediada já — amarra o cabelo loiro no topo da cabeça — Thiago tá de plantão desde cedo, não sei como ele aguenta.

João: Já assustou ele tá de folga ontem... Baile bombando do jeito que tava — diz e sorri pra dona Marilene que tá chegando próximo a nossa mesa.

Marilene: Oi, crianças — o jeitinho simpático dela é algo que me conquistou de primeira — Como vocês tão?

Luara: Tudo bem, e com a senhora?

Marilene: Levando, minha filha — sorri e Luiza presta atenção nela também — Tava querendo mesmo falar com você, Luiza... Tava só esperando TH aparecer aqui, mas ele tá sumido.

Luiza: Trabalhando muito, Dona Marilene

João: Tu acredita nisso, Dona Marilene? — João pergunta, enquanto a senhora passa um paninho na nossa mesa — Luiza tá prendendo o menino em casa, chega a amarrar o coitado no pé da cama — eu e a dona do bar rimos.

Marilene: Que isso, Luiza?

Luiza: Mentira, tia. João é um linguarudo e Thiago é sonso, não quer fazer as coisas e fica falando pros amigos dele que sou eu que não deixo.

Luara: Tudo bem, amiga. A gente vai fingir que acredita...

Luiza: Juro! — ela fala mais alto, revoltada, fazendo a gente rir mais — Pode falar o que a senhora queria, Dona Marilene, liga pra eles não.

Marilene: Vocês são uns figuras — endireita o porta guardanapo, rindo — não era nada demais. É que eu soube que abriu turminha nova lá no centro comunitário e eu queria saber como faz pra inscrever minha neta na sua aula.

Luiza: Quantos anos ela tem?

Marilene: sete.

Luiza: Eu dou aula de ginástica artística, é terça e quinta, de 9 às 10. Só aparecer lá que eu faço a matrícula dela — Luiza sorri.

Marilene: Vou levar ela terça agora então. Tá precisando queimar uma energia, parece uma pipoca correndo pela casa o dia inteiro —- ri e nega com a cabeça — E vocês, vão querer o que?

João: Pode ser um litrão de Brahma, tia.

Marilene: Vou pegar pra vocês — diz e se afasta da nossa mesa.

Luiza: Vocês lembram da Marianny? — pergunta e eu concordo.

Luara: Estudou com a gente.

João: Tá grávida? — olha uma notificação no celular e volta a prestar atenção na gente.

Luiza: Não garoto, tudo é gravidez pra tu — eu gargalho porque o João é assim mesmo.

Ninguém pode chegar com uma fofoquinha que ele já acha que é gravidez.

Luiza: Foi vista sentando pra bandido de facção rival...

João: Sabia! — ele bate a mão na mesa — Daqui a pouco tá grávida.

O início da noite foi exatamente tudo o que eu queria que fosse, bebemos mais uns três litrões depois que a Dona Marilene voltou com o primeiro. Impressionante como o João e a Luiza sabem cada detalhe da vida das pessoas aqui da favela.

O que pra mim é ótimo, minha vida tá um saco, paradona... Saber da vida dos outros é muito mais emocionante.

Quem tá sentando pra rival? Sei.
Quem entrou pra igreja? Sei.
Quem tá pegando quem? Sei.
Quem ficou careca? Adivinha? Sei também!

Lá pelas oito horas da noite, nós estamos no auge da conversa quando barulho de moto chama a minha atenção pra rua.

O olhar que eu tava evitando pensar se choca com o meu presencialmente mais uma vez. É incrível como eu me esforço pra evitar, mas ele sempre tá ali, seja na minha cabeça ou na minha frente.

Digão desce da moto e me olha firme, enquanto caminha até a mesa onde estão os caras do movimento.

João: Teu namorado não chegou com o chefe dele — fala com a Luiza e eu tento disfarçar os olhares pro Digão, apesar do João olhar descaradamente.

Pensando bem agora, é lógico que o porquê do dito cujo já saber que o João curte homem.

Luiza: Ele tá fazendo algum corre na pista, daqui a pouco tá aí — bebe um gole da cerveja gelada.

Alguém coloca um copo na mão do Digão e ele bebe, olhando pra mim por cima do copo. Não dá pra fingir costume, foda-se que ele tava na minha casa hoje mais cedo, me olhando desse mesmo jeito... É sempre desconfortável pra mim me sentir invadida assim.

Já tô perdida no papo do João e da Luiza quando mais motos se aproximam e o Ney desce de uma delas, acompanhado do sub do morro. O que eu já descobri aqui na mesa que se chama Claudinho.

Puta que pariu, tô começando a me amaldiçoar por ter saído de casa.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora