Capítulo 1

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Capítulo 1 - Pov Luara

"É sobre todos os que viveram sozinhos e quando foram amados, não souberam o que fazer"
Baço Exu do Blues

📍Complexo do Chapadão

Eu lembro exatamente da sensação de fechar os olhos e pedir, com toda vontade do mundo, um pouco de paz e cuidado quando soprei a vela do meu bolinho de aniversário semana passada.

Adiantou? Porra nenhuma!

O universo deve me odiar. Sem vitimismo nenhum, tá tudo bem. Provavelmente eu fui uma cadela filha da puta em outra vida. Atropelei velhinhos... Fiz maldade com algum bichinho fofo... Alguma coisa deve explicar o carma que eu carrego.

São dezoito anos de inferno astral.

Luara: Só pode ser brincadeira comigo... — chego perto da janela e abro uma frestinha da cortina, vendo a viela vazia e alguns meninos do movimento correndo de um lado pro outro.

Ando abaixada até a minha cama e pego meu celular, ouvindo o barulho de passos do lado de fora do meu barraco.

Mensagem de Sr. Gilberto (Gerente): Nao posso te ajudar, luara. Você tá no período de experiência, se não vier hoje, não vai ser contratada. — leio o texto e respiro fundo, passando a mão no rosto.

Mensagem de Luara: Eu juro que já tô pronta pra ir, mas tá tendo tiroteio na comunidade onde eu moro... Sair agora vai ser muito complicado pra mim, o senhor entende? Eu preciso muito desse emprego, posso fazer hora extra outro dia que o senhor precisar.

Mensagem de Sr. Gilberto (Gerente) : Entendo, mas infelizmente não posso fazer nada nesse caso. Se toda vez que tiver problema onde você mora, você não vier, vai acabar prejudicando o andamento da loja.

Luara: Filho da puta... — xingo e paro uns segundos tentando ouvir se o tiroteio ainda tá rolando, mas não ouço mais nada.

Pela barra de notificação, sem sair da conversa com o gerente, vejo mensagem do João: "Não sai de casa, sua maluca. os meninos deram toque de recolher, bgl tá bom naum. ja tem foto de tres que viraram saudade eterna nos grupos"

Mensagem de Sr. Gilberto (Gerente): Se não puder vir, avisa que eu vou ligar pra outra vendedora vim.

Mensagem de Luara: Fica tranquilo, seu Gilberto. Vou da o meu jeito de chegar aí na hora combinada.

Sem pensar muito, passo a mão na alça da minha bolsa grande e jogo o celular lá dentro, indo até a porta e tirando a chave da fechadura.

Tenho três opções: ir até lá, conseguir o emprego e pagar minhas contas; tentar ir e tomar um tiro no meio do caminho, o que seria um favor, porque morto não paga conta; ou ficar nessa casa e me afundar nas dívidas.

Eu escolho as opções que me livram de ter que ir pedir esmola na rua.

Saio de casa e tranco a porta, olhando pros lados, antes de descer correndo a escadaria na esquina da minha casa.

Não tem uma viva alma perambulando pela favela e meu coração tá espremidinho de medo nesse momento, mas vai ter que ser desse jeito mesmo.

Da minha casa pra estação de trem são uns quinze minutos andando e vou até lá orando pra todos os santos que eu conheço.

Xxx: Colfoi, garota — Ouço alguém gritar atrás de mim, mas não me viro — Tá toque recolher, Patrão mandou todo mundo ficar dentro de casa.

Aperto o passo e foco em chegar na estação, porque chegando lá, eu consigo chegar na loja também. Na volta eu dou um jeito.

Subo a escada pra estação, sentindo um alívio no peito, que não ouço mais os barulhos de tiro daqui.

No topo da escada, não vejo nenhum movimento de pessoas na estação e dou de cara com o guichê fechado.

Luara: Não, Não, Não...

Tento olhar em volta e procurar algum funcionário, mas não vejo ninguém e as catracas estão travadas.

Luara: Vai tomar no cu, eu não tenho nem mais força pra reclamar — penso alto e me escoro na parede da estação.

Eu não pensei que quando o tiroteio tá muito intenso, a estação de trem fecha. Principalmente porque é a estação que divide os dois complexos rivais, Chapadão e Pedreira.

Luara: O que eu faço agora? — Olho lá pra baixo, vendo que na via que beira a estação não passa nenhum carro. — Meu Deus...

Resolvo voltar pra casa antes que o tiroteio volte, porque infelizmente já aceitei o fato de que não vou ser contratada.

Não adianta, se gente comum precisa matar um leão por dia, o favelado precisa matar uns dez.

Ando rápido de volta pra favela, sentindo o suor escorrendo pelo meu pescoço. O dia tá feio e nublado, mas o calor do rio de janeiro não diminuiu.

Um quarteirão antes da escadaria que leva pra minha casa, ouço o barulho de alguns tiros, perto o suficiente pra arrepiar os cabelinhos da minha nuca e fazer meu coração bater no ritmo de uma escola de samba.

Há o início de um falatório pelas vielas em frente, então eu corto caminho pela lateral de um depósito de bebidas, desviando pra não passar passar pelo meio do confronto ou sei lá o que esteja acontecendo ali.

Dois disparos vem da direção onde estou indo, fazendo meus pés travarem no lugar. O barulho de algo caindo me assusta ainda mais e eu vejo sangue espalhado pelo beco.

Enquanto eu decido o que vou fazer, uma mão agarra a parte da frente do meu corpo e outra tampa a minha boca.

Meu coração erra uma sequência de batidas e eu tento me debater, mas o braços fortes me prendem firme, mantendo as minhas costas coladas no peito dele e um cheiro de perfume masculino gruda no meu corpo.

xxx: Fica quieta, caralho. Se tu gritar, vai morrer nós dois — fala baixo no meu ouvido e eu sinto a minha visão ficar turva.


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Nota da autora:
Bom dia, perfeições!

Se você chegou aqui e ainda não me conhece, saiba que eu tenho outro livro finalizado no meu perfil. O nome é Sonho dos Crias e eu sugiro que você leia ele antes de começar essa aqui, pois se passam no mesmo universo!

Pra quem já me conhece: Começando mais uma hoje 🫶🏼
À princípio, as postagens serão as quartas, mas pretendo fazer maratonas movidas a curtidas e comentários...
Me digam o que estão achando, beijosssssssssss 💅😚

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora