~~Capítulo 8~~

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Eliot POV

- Como é que estás? - perguntou Elle, que me ligou logo de manhã, o meu corpo já estava a pé, o meu cérebro que bem devia, ainda continuava a meio gás enquanto me esforçava para organizar as folhas de apontamentos espalhadas pela secretária, de olhos semicerrados, incomodado com a luz do Sol.

Fiquei a estudar até demasiado tarde (consciência pesada da nota duvidosa que vou ter a química e me vai manchar o histórico imaculado) e depois ainda inventei de tentar decidir algo em relação ao discurso, coisa que como é óbvio, àquelas horas não deu em nada.

Achava cada vez mais que a ruivinha deveria fazê-lo.

- Bem, tanto quanto possível. - murmurei antes de me fugir um bocejo.

- Então faz favor de te vestires e anda ter à praia perto da minha casa e da do Jer!

- Okay...? Vamos só os três?

- Não, vamos só nós os dois. - retorquiu de imediato - Precisas de espairecer, vamos só dar uma volta, sim?

Sorri.

- Claro que pode.

- Boa, tens meia hora. - conseguia ouvir o sorriso triunfante do lado de lá, a afirmação no lugar de qualquer sugestão.

Ao que parece não irei estudar, pelo menos por enquanto.

Escolhi uma roupa prática, uma t-shirt e umas calças de ganga clara, enquanto os meus pobres all stars me aguardavam junto à porta. E depois do banho rápido fitei o caderno onde rabisquei o meu discurso de final de ano várias vezes, largado pelo meio dos apontamentos.

Alcancei a primeira caneta que vi e enfiei-a no bolso antes de fechar o caderno que trouxe, tal como o telemóvel, a carteira, as chaves.

Pode ser que o cheiro da água salgada me inspire. Ou que pelo menos a minha melhor amiga possa dar-me umas luzes.

Estávamos sentados lado a lado com os pés cheios de areia agarrada, da água onde fomos dar um saltinho, onde estivemos a caminhar até agora, não demorei nada, não precisava de qualquer ajuda a chegar àquela zona da praia, era tão nossa, fora tão de nós dois em outros tempos, quanto era agora dela e do Jer ou de todo o grupo, na realidade.

Com o Sol a beijar-me a pele branquíssima sentia-me em casa, com a minha melhor amiga ao lado e o meu caderno ainda nas mãos, apesar de incerto das minhas próximas escolhas, das mudanças que se avizinham, das responsabilidades que me caíam nos ombros.

Estava mais tranquilo, ter acabado com o Tristan quase parecia um assunto abafado pela beleza do mar, da praia no verão que se aproxima.

Todavia, as minhas atitudes, decisões, aos meus olhos tornavam muito menos óbvio que me escolhessem a mim para o discurso de final de ano, porque a nível realista, antes percebia.

- Tenho pensado tanto que devias ser tu a escrever esta merda, Elle. - murmurei antes de soprar a areia que tinha vindo parar às páginas sem grande coisa além de riscos e risquinhos, do meu bloco de notas.

Deu-me uma palmada no ombro.

- Deixa-te disso outra vez! Não sejas parvo que já te dissemos umas trezentas vezes que era impossível que alguém fizesse isto além de ti!

Sorri para mim e suspirei.

- Não me sai nada e... Tenho-me perdido tanto nos últimos tempos.

Encostou então a cabeça ao meu ombro. Tal qual na segunda, quando o Ryan veio falar comigo e desabou tudo aquilo que estava preso pelas pontas, foi tranquilizante em silêncio, disse que me percebia sem precisar de o colocar em palavras.

- Nunca gostei de como te chamavam Super Eliot e assim, sabes? Mesmo os nossos amigos, acho que muitas vezes se esqueciam do que é que estavam a alimentar. - falou ao fim de um bocado de silêncio em que a rebentação das ondas quase nos embalou - Porque já tens por natureza essa mania de chegar a todos os altares e daí a esqueceres-te que tens direito a errar porque és um ser humano, vai uma distância demasiado curta. E este ano não foi nada fácil para ti! O que não te impediu de tirares mais uma pessoa das garras daqueles idiotas, de seres a razão principal de uma das minhas pessoas favoritas não ter sido expulsa da escola por uma mera injustiça! Além de que também foi graças a ti que se deram conta que aquela diretora era uma farsa e que, quer queiras ou não pensar no assunto, tenhas mudado o modo de pensar de um dos maiores bullys que esta escola tinha.

Senti as faces cada vez mais coradas. Não podia negar nada do que afirmava, embora muitos desses acontecimentos fossem mérito de grupo, era a forma que ela encontrara com mais facilidade para me animar.

De certo modo funcionou, pelo menos o suficiente para me relembrar porque fora votado no final das contas.

- Olha e já sabes o que vais vestir no baile? - perguntou de súbito.

Cortou o assunto como quem sabe que me deixou sem palavras, ao menos poupou-nos à minha envergonhada inabilidade para articular palavras.

Cocei a nuca um bocado pro nervoso na mesma porque tinha a plena consciência que não me podia dar aos luxos deles e iria bem mais básico que os restantes.

- Epah provavelmente aquelas calças de fato que usei na última festa mais formal na casa do Marc e uma camisa que não tenha vestido muito, talvez até consiga comprar uma de propósito, não sei bem...

Elle, tal qual todos os outros conhecia a minha condição financeira e nem por isso me fitara com um tracinho que fosse de pena, nunca o fez, por isso nem é racional esse meu medo de que de repente o fizesse.

- Olha se conseguires depois diz que quero ajudar-te a escolher! - exclamou - E... queres ver o meu vestido?

Esta conversa era interessante, não vou mentir. Quando um dia fomos as pessoas com a vida toda planeada, planeada em conjunto. Quando era o meu par e isso estava decidido desde o início do secundário, talvez desde antes de começarmos a namorar, quando eu era a pessoa a quem falara vinte mil vezes do sonho que tinha com um elegante vestido verde vivo que rabiscara tantas vezes para me mostrar o que imaginava.

Era estranho e ao mesmo tempo reconfortante, porque mesmo não sendo o meu par(nem tão pouco tinha um agora), mas continuava a virar agora o telemóvel para mim com uma fotografia sua em casa com um vestido tão verde quanto a sua alma um dia desejara. Abracei-a e dos meus lábios escapou um sussurro:

- Estou tão feliz por ti.

- Ai não festejes já, ainda tenho que ver do resto das coisas com elas, ainda por cima a Val comprou o vestido à Lou para lho oferecer e anda sem saber como raios lho vai dar e andamos a planear uma surpresa enorme! - exclamou toda entusiasmada e limitei-me a continuar a sorrir-lhe como se não tivesse visto os olhos avermelhados das minhas curtas palavras que lhe tocaram ao de leve - Ah e temos mesmo que ver disso do que vais vestir, aliás e do que eles vão vestir também e de onde! Recuso-me a que não nos arranjemos todos juntos!

Aqui os meus olhos já se tinham perdido no mar diante de nós, ria pra mim e arregaçava mais as calças.

Quando parou sugeri:

- Bora dar mais um saltinho à água?

- Yha!

Not Only MemoriesWhere stories live. Discover now