Desligámos ao fim de um bocadinho, mas fui incapaz de voltar a dormir.
Estava com certeza mais tranquilo, muito muito mais...! Só que, havia algo que pouco tinha de pesadelo. Era mais real do que desejava.
Mas ao menos o Tristan teve coragem, alguém tinha que a ter.
"Para de mentir a ti próprio, Eliot, a sério."
Quando fechava os olhos, conseguia ouvi-lo dizer aquilo com tanta convicção. Não lhe falhava a voz uma única vez apesar da vista marejada.
Fazia-me lembrar a Elle.
"Promete-me que não tentas enganar-te a ti próprio por medo, ok?"
Na altura prometi e mesmo assim, voltei a fazê-lo.
Parece que passei pelo menos dois anos num só, tal foi o caos deste!
Ontem tive teste de química e, caso não houvesse um problema muito maior a ocupar-me a cabeça neste momento, estaria até este instante preocupado, com o quão mal me correu, pela primeira vez em tanto tempo... Mas, a verdade é que, tendo acabado tudo com o Tristan e descoberto hoje(ontem, no caso) que estou prestes a despedir-me dele, pesou bem mais que a merda do teste que um dia foi parte da minha única preocupação. Lá na altura em que manter notas perfeitas era a parte mais difícil da minha vida quase perfeita aos olhos de quem quisesse olhar...!
Como comecei a explicar, tendo teste ontem à segunda hora e a correria que isso provocou, fez com que eu e Tristan nos desencontrássemos, nem o vi durante todo o dia.
Embora precisasse de ter este assunto encerrado o mais rápido possível e a ansiedade me tirasse as noites de sono, em segredo agradecia à vida por me ter dado mais um dia. Não que julgue que estava mais bem preparado há horas, que em qualquer ponto de quarta...
É cobardia, eu sei, foi tanta cobardia da minha parte e é defeito que por norma estava longe de me pertencer, mesmo. Tinha os meus receios como qualquer ser humano normal, mas não fugia aos desafios, às pessoas, às situações desde a altura em que bati no fundo em pequeno. Desde que as amizades que fiz me trouxeram a confiança de que precisava.
Mas com o tempo tenho voltado a morrer de medo perante os momentos difíceis, diante de qualquer coisa que me magoe ou magoe outra pessoa.
Neste momento, só posso afirmar o quão orgulhoso estou do Tristan, porque o miúdo a quem joguei a mão no início das aulas depois do natal, que tremia que nem varas verde perante os mais velhos, aqueles estúpidos, ou qualquer situação tensa, devido aos inúmeros traumas, foi quem iniciou a conversa que muito nos fazia falta.
- "Podemos conversar, Eliot?" - perguntou assim que me viu no primeiro intervalo.
Assenti e levantei-me, tão calmo no exterior quanto estava nervoso no interior. Tinha o coração a mil e por muito que acredite que não tenha demonstrado muito, ainda foi suficiente para os meus dois melhores amigos, me sorrirem com carinho e os olhos preocupados, bastante preocupados.
Abandonámos o bar lado a lado pelo meio das pessoas até ao exterior da escola, num silêncio de cortar a respiração, tão novo para mim, foi a primeira vez que me senti tão desconfortável sozinho com o Tristan, que o senti tão longe, ali a centímetros.
Ali, só desejava poder abraçá-lo e beijá-lo e garantir que estava tudo bem, e que isso não fosse uma mentira. Desejava que fosse ele, que estivesse apaixonado por ele, porque seria mil vezes mais fácil.
Agora, se calhar já não desejava isso, ou pelo menos não tanto.
Os minutos passam e com eles as horas. Fecho os olhos e sinto-os arderem uma vez mais, estou deitado na cama a chorar em silêncio, a sentir as gotas que naquela posição me escorrem para as orelhas.
Sim o Jer tem razão, foi um erro, estou arrependido e o Tristan sabe disso, ele não me odeia, havemos de ficar bem, mas não consigo não me sentir uma merda.
Além das saudades que já antecipo...
- "Vou embora no final das aulas." - declarou assim que demos por nós num espaço mais vago, a voz nem lhe tremeu - "Já há um tempo, eu e a Eve recebemos convites para participar numa série que vai ser gravada na Inglaterra."
- "Tris... Eu, eu fico t-tã..." - a mim sim, as palavras saíam oscilantes, para dizer no mínimo.
- "Não disse nada porque estivemos os dois na dúvida durante muito tempo, mas percebi que era o melhor para mim. Preciso de sair daqui." - as palavras continuaram a sair-lhe tão nítidas que precisei mergulhar nos seus olhos para o reconhecer.
Não parecia o Tristan, não de todo.
E ainda bem.
- "Eu, eu percebo e faz sentido, fico mesmo, mesmo feliz por ti...!" - não achava que voltaria a conseguir segurar o choro por tanto tempo, estes meses trouxeram o meu lado chorão de volta cá com uma facilidade! - " Mereces muito isso, acredita!"
Lembro-me de respirar fundo, de ficar na dúvida se devia ou não ir mais fundo, continuar neste diálogo.
- "Desculpa..." - murmurei de cabeça baixa - "Mereces isso e merecias, não ter vivido, bem, isto."
- "São coisas que acontecem, deixa isso."
Se são coisas que acontecem, nunca deveriam ser!
- "Vou procurar um psicólogo lá também, queria começar já, mas é um bocado inútil uma vez que me faltam apenas semanas para me mudar."
- "Espero que sejas muito feliz daqui para a frente." - e as minhas palavras seguintes foram tão sinceras quanto as primeiras, porém, tão mais egoístas - "Vou ter imensas saudades tuas."
Ficou em silêncio por mais tempo que antes e sabia que tinha ido além do que devia, do que tinha direito.
- "Também vou sentir a vossa falta." - apenas neste instante voltou a mostrar dor. Tudo o que havia para quebrar em mim, quebrou.
Suspirei, apostava que ia chorar, mas aguentei-me.
- "Tristan, eu, desc..."
- "Não te detesto, não te preocupes." - declarou interrompendo-me - "Não te conseguiria odiar, pelo menos precisavas de fazer algo muito pior."
Não consegui evitar o sorriso mínimo que esbocei.
- "Preciso de espaço. Preciso de me afastar um bocado."
Tive aulas depois, voltei a estar com os meus amigos, vi Valerie procurá-lo, vi Diana ir ao seu encontro, vi tanta coisa depois daquela imagem, no entanto, fechando os olhos não consigo não ver Tristan afastar-se, seguir o próprio caminho.
Estou feliz, orgulhoso e destruído em simultâneo, nunca pensei que fossem coisas que se pudessem sentir ao mesmo tempo.
E aqui estava.
Abri os olhos e da minha janela vi o Sol a nascer, com ele um capítulo novo, ainda que não tenhamos acabado a escola. Ontem terminou uma fase.
Agora preciso de escolher, de tomar decisões, com este gosto agridoce.
O nascer do Sol é bonito, faz parecer que a vida é menos horrível, que existe alguma paz no meio da confusão, que alguma luz brilha e neste caso, brilha e ilumina-me literalmente a mim e ao meu quarto.
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Not Only Memories
Romance"É desta que aprendes de uma vez que ninguém tem o direito de decidir quem tu és?" "Ele fica melhor sem mim de qualquer forma, não é importante." "Ele está a esquecê-lo, sei que está a tentar..." "Já segui em frente, limitei-me a fazer o mesmo de an...
~~Capítulo 7~~
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