48 • Ponto de parada

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"A Terra girou para nos aproximar. Girou ao redor de si mesma e dentro de nós... Até que finalmente nos uniu neste sonho."

"21 Gramas" (2003), dir. Alejandro González Iñárritu

Na garupa da moto, o encanto da experiência como condutor se perdia

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Na garupa da moto, o encanto da experiência como condutor se perdia. A magia de andar sobre duas rodas não. Embora não experimentasse a adrenalina de pilotar, havia algo de reconfortante em seu lugar.

Substituíam-na o aroma delicioso de sua pele, a textura áspera do moletom horrendo — com certeza uma doação do Exército da Salvação — sob a minha mão, repousada em sua cintura, nossos corpos colados. Como se eu precisasse grudar desse tanto para me equilibrar.

Esse encaixe não era excitante do modo convencional, contudo, provocava sensações inenarráveis. Reconfortava-me por não apenas estar perto dela, mas também sentir sua presença integralmente. Dava uma sensação de plenitude.

Amanda acelerou com vontade, do jeito que eu tinha lhe encorajado a fazer. Conduziu-nos com emoção, como a última volta na pista de corridas pedia.

Apesar de o autódromo ter fechado sob minha reserva e não haver uma viva alma além de nós e os funcionários do local, decidi comemorar a vitória mesmo sem adversários. Trouxe o champanhe, agitei bastante e o entreguei a ela quando se aboletou sobre o posto de primeiro lugar.

O banho de champanhe, espetacular e sugestivo, operou milagres. Livrara-me do castigo de suportar aquele moletom beje. Deixou-a só com uma regata justa, meio úmida graças ao líquido que escorria pelo seu pescoço e molhava o tecido.

Subi ao pódio para acompanhá-la, ergui a campeã sobre meus ombros, bebi champanhe direto da boca da garrafa, beijei a piloto mais gostosa do mundo. Aquela se consolidava como a corrida mais satisfatória da minha vida. Nenhum Grand Prix se equipararia no quesito emoção.

Era preciso ter um coração muito forte para aguentar aquela proximidade (em todos os sentidos) entre nós. Um coração mais forte ainda para não me derreter a cada toque, cada cúmplice troca de olhar, cada provocação.

— Se eu não te conhecesse, diria que você tá nervoso — perturbou-me. Ainda em meu colo, depois de descer do ponto privilegiado acima de minha cabeça, Amanda alisou meu cabelo.

— Ainda bem que conhece — retorqui e ajeitei, mesmo sem necessidade, a alça de sua camiseta em uma troca de cuidados desproporcional.

Visivelmente desconfortável, ela saltou do meu colo com um movimento brusco e me deu as costas. Duvidava de mim, incertezas rondavam-na quando o assunto era me conhecer, isso logo ficou evidente. Seu silêncio transitório dissera tudo.

— Algum dia eu vou saber o que se passa na sua cabeça de verdade? — arguiu, inquisidora, enquanto mirava o horizonte.

— Você — respondi, chegando mais perto dela —, o que se passa na minha cabeça é você. Qualquer dia, qualquer hora. Acredite.

Destino MotoCiclistaWhere stories live. Discover now