O Viajante - Capítulo XIII - Isabelle - Março de 1973

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Mesmo amaciando o ego daqueles que gostavam da ordem em mão de ferro, ainda esperei por cerca de duas horas até ser recebida pelo diretor do internato.

Após aquela longa espera, o diretor me chamou.

Ele usava um hábito e foi me apresentado como Padre Juliano Teixeira. Entrei  na sala do Juliano. As paredes do lugar eram brancas, contra umas das paredes havia uma grande estante de mogno repleta de livros empoeirados. Sobre uma grande mesa, também de mogno, estava um pequeno crucifixo de madeira que era sustentado em um suporte com os seguintes dizeres: "Preferiria estar à porta da Casa do meu Deus, a habitar nas tendas da impiedade.” 

O padre me convidou para me sentar em uma cadeira diante daquela elegante mesa. Assim o fiz. Ele se sentou em sua cadeira e me olhou nos olhos. Seus cabelos grisalhos elegantemente penteados o faziam parecer uma pessoa sofisticada.

— Muito prazer, padre Juliano. Deixa eu me apresentar melhor. Meu nome é Priscila, sou jornalista e trabalho no Jornal Coluna da Cidade. — Menti. Aquele jornal sequer existia. Torci para que o homem acreditasse no que falei.

— Muito prazer, Priscila. Sou Juliano, o diretor do Santa Maria. — Ele cerrou os olhos. — Não conheço esse jornal.

Meu estômago gelou.

— É um jornal muito pequeno ainda. — Abri a bolsa e tirei uma caderneta e uma caneta lá de dentro. Fitei, brevemente, a empunhadura do revólver que se revelava em um bolso interno. Meu corpo inteiro se arrepiou.

Fechei a bolsa e encarei o homem.

— Ah é? — Ele indagou com o cenho franzido. Percebi um discreto sorriso no canto de seus lábios. — Bom, então devem estar nas primeiras edições.

— Ele já tá circulando há um mês e meio. Ainda é muito pouco tempo pra ser considerado um jornal... Importante. — Minhas mãos estavam tremendo. Coloquei a ponta da caneta sobre o papel.

— Então, fico feliz que tenha escolhido escrever sobre esse internato. — O padre sorriu.

— Eu é que fico feliz por ser recebida pelo senhor. — Retribuí o sorriso enquanto sentia o meu coração acelerado em meio peito. — O senhor pode me falar um pouco sobre como funciona o internato?

— Na maior parte das vezes, somos procurados por pais desesperados que vivem cercados de violência. Eles querem evitar que seus filhos acabem indo pro caminho do crime.

— Aqui é um internato só para meninos, é isso?

— Sim! — Falou com certa surpresa na voz. — Claro! Só internamos meninos aqui.

— Como é a rotina desses meninos?

— Eles são divididos por turmas de acordo com a idade. As aulas duram meio período. Almoçam todos juntos no refeitório e então são mandados para fazer alguns pequenos trabalhos durante à tarde. Os rapazes têm aulas para aprenderem a bater cimento, construir paredes… Também têm aulas de marcenaria. Aram e cuidam da horta e alimentam os animais que temos… Enfim. A tarde é gasta para aprenderem a trabalhar. Às 6h da tarde, recebem uma ceia e temos missa. Às 9h eles vão dormir. Não admitimos nenhum menino fora dos dormitórios depois desse horário. Temos monitores que vigiam e cuidam da disciplina dos internos pra que se evitem transgressões.

— Transgressões?

— Não toleramos que as regras aqui sejam quebradas. — Era um pouco estranho como o padre jamais perdia a compostura. Ele falava com muita calma e sempre mantinha um discreto sorriso nos lábios. — Mantemos o pulso firme. Como você acha que eles vão se tornar cidadãos decentes, senhora Priscila?

Filhos da EntropiaWhere stories live. Discover now