Capítulo Quinze

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Dylan (Dezessete anos de idade)

Estou sentado no meu quarto, tomando um vinho e olhando a chuva pela janela, mãe de Ruan está péssima, bem péssima. E de verdade? Não sei se ela vai durar esse mês de março todo, se durar, é sorte. Muita sorte. Às vezes dá para ouvir ela tossindo, não que ela force por querer, mas ela é praticamente obrigada a isso.

Até hoje eu não faço ideia do que ela tem, mas está doente desde que me aceitaram na família. Hoje em dia Ruan é bem mais amigável comigo, não sei se porque sua mãe está doente e quer se segurar em alguém para se sentir um pouco melhor. Fico triste só de pensar que ela não está nada bem, vem piorando cada vez mais. Até Paolo já perdeu as esperanças e ela sabe disso. Já ouvi tanto ele quanto Ruan chorarem de noite no quintal de casa, e para ser sincero, e bem sincero, eu também não quero perder ela. Nesses dois anos acabou sendo uma ótima mãe para mim. Essa família acabou sendo uma ótima família para mim.

Não que eles vão querer algum dia, mas não sei se vou conseguir retribuir o que eles me fizeram, simplesmente deram minha liberdade de novo. Coisa que eu não tive a anos no orfanato que o pai de Ashley me colocou.

Enquanto a chuva cai eu vou pensando, pensando sobre o começo e o fim das coisas, sobre a vida e o mundo, rasos e fundos de tudo. Até que Ruan aparece na porta do quarto me chamando para jogar bola no quintal. A gente tinha mania de jogar na chuva, tanto futebol quanto vôlei, então aceitei sem pensar muito, já que não estava fazendo nada.
A casa estava silenciosa pois Paolo foi levar sua mulher para o médico, ela tinha exame marcado para hoje, então ficamos só eu e Ruan lá.

Deixei meu copo de vinho na minha escrivaninha para beber quando voltasse, não bebo em taça pois ela é pequena, não dá para colocar muito vinho, e eu sou muito fã de vinho, quando bebo ele, não é só uma taça que vai conseguir me satisfazer.

Quando jogamos bola, geralmente só ficamos tocando um para o outro sem tirar a bola do chão, porque o gol de madeira que Ruan tem está desmontado faz uns meses e nem me lembro o motivo. Mesmo sendo chato só tocar como estamos fazendo, a gente prefere fazer isso para conversar sobre qualquer coisa, ainda mais porque ele tem um dia no trabalho, eu tenho um dia no meu, e a gente quer saber do dia do outro.

- Pô, mano. Aquela garota que te falei semana passada, ela ainda fica me encarando e não sei o que quer dizer. Não sei se sou bonito demais, feio demais, estranho demais. - Diz Ruan.

- De "demais" você não tem nada. Mas cara, ela está tão na sua. - Comento.

- Será? Sei não, mano. Acha que devo chegar nela?

- Depende. Ela tem aliança?

- Eita, não reparei, acredita?

- Acredito.

Nós rimos e continuamos tocando a bola, agora um pouco mais alto e tentando fazer ela não tocar no chão. Geralmente quando fazemos isso, quem deixar a bola tocar no chão, perde. E o outro ganha o que? Absolutamente nada.
Ganhei uma, perdi duas, ganhei outra, perdi sete e por aí vai. Quando conheci Ruan, quando vim morar aqui, ele jogava futebol numa escola de esportes. Então acabei fazendo um ano de Muay Thai, mas nós dois tivemos que parar com os esportes porque conseguimos um trabalho e o horário infelizmente não batia. Mas ganhei algumas competições assim como também perdi outras. Mas gostei muito de lutar. Só não é algo que eu faria sempre.

Meia hora depois começamos a ficar cansados, então nos sentamos para descansar. Ouvimos barulho de um carro do lado de fora da casa, aparentemente Paolo acaba de chegar. Um tempo depois, minha dúvida some, sim, Paolo acabou de chegar com sua mulher. E eu volto a ficar triste só de ver como ela anda, ela precisa de muito apoio senão, não conseguiria ficar muito tempo em pé. Já não consegue direito tendo algum apoio. "Minha perna está doendo", é a frase que ela mais fala quando fica em pé, não importa se é por muito ou pouco tempo. A perna sempre dói.

Tempo depois eu estou na sala jogando vídeo game com Ruan, está tudo tranquilo até que ouço um copo de vidro caindo no chão, e ouvindo esse barulho eu lembro que tinha deixado um no meu quarto, assim que me levanto do sofá para ir pegá-lo, vejo vidros na escada que dá acesso para os quartos, vou subindo meu olhar, vou vendo manchas, aparentemente de vinho, do vinho que eu havia deixado no quarto. Assim que subo mais o olhar, vejo a mulher de Paolo se desequilibrando e rolando escada abaixo.

Fiquei em choque e não tive reação, apenas fiquei parado vendo toda aquela cena. Ruan corre até sua mãe, Paolo corre até sua mulher aparentemente desacordada e eu continuo parado sem saber o que fazer. Com todo o cuidado do mundo Paolo pega ela nos braços, fala para Ruan indo abrir o carro e os três vão ao hospital e eu continuei ali parado.

Quando ela precisou de mim eu não soube o que fazer, eu não tive reação, dava tempo de subir alguns degraus e evitar a queda total na escada, mas não fiz. Não fiz pelo simples fato de ser fraco. Eu fui e sou fraco.
Quando consegui me recompor, chamei um Uber e fui para o hospital, na cidade tem dois, mas sei exatamente para qual hospital eles foram.

Cheguei lá e já vi Ruan na frente da sala de emergência.

- E aí? Cadê ela? - Chego perguntando e tentando ficar calmo.

Ruan só aponta para a sala e vejo na janelinha da porta ela deitada, desacordada com aparelhos respiratórios conectados numa tomada para tentar manter ela viva. Mas... Vejo ela convulsionar, os médicos tentando fazer algo, mas aparentemente já era tarde. Vejo na televisão os seus batimentos cardíacos abaixando mais e mais, rapidamente.

Até que acaba.

Ouço o barulho dos aparelhos fazendo aquele "piii" e ela não se mexendo mais. Olho para Ruan que está sentado no banco de espera, aparentemente já sabia que ia acontecer, e aconteceu.
Me sento ao lado dele sem falar nada, então Paolo sai da sala sem expressão e sem brilho nos olhos. Da vontade de falar algo para eles, mas eu não sei o que dizer, e qualquer coisa que eu disser, posso acabar estragando tudo.

Então decido me levantar e voltar para a casa. Pego um pano, uma vassoura e o balde de lixo, limpo toda aquela sujeira que ela fez por minha causa. Se eu não tivesse deixado o copo ali, aquilo não teria acontecido. Foi só por causa de um copo, um copo.
Sei que isso foi culpa minha e não vou deixar de me culpar.
Essa foi a maior burrada da minha vida.

Um Dia Muda Uma Vida (Em Revisão)Where stories live. Discover now