Ao mesmo tempo, o meu olhar procurou instintivamente o número do Ryan.

Ele é que fez merda e eu é que estou aqui, prestes a ligar-lhe?

Tudo porque hoje de manhã estava decidido, decididíssimo que ele não merecia mais oportunidade nenhuma e agora parece que preciso fisicamente que falemos, que possa ouvi-lo, que possa arrancar-lhe aquele ar destruído... voltar a vê-lo sorrir.

Voltei para dentro ofegante, fechei o vidro e encostei-me à janela a enxugar os olhos húmidos.

Era tudo falso, tem sido tudo falso até aqui...!

E quando me sentei ali, sozinho naquele sítio pela primeira vez em meses, soube que ainda estava a fingir, que não sei se aguento por muito mais tempo continuar a fingir.

Desci as escadas quando ouvi barulho lá em baixo. Como é que não me dei conta que a mãe tinha chegado?

- Alo... - murmurei encostado à ombreira da porta da cozinha.

Não tinha intenção de a assustar, mas estava de costas para mim, já de volta de qualquer coisa para o jantar ou para o almoço de amanhã ou a arrumar algo que trouxera, então ainda lhe vi o saltinho que deu quando a minha voz quebrou o silêncio.

- Chegaste cedo hoje, quem é que veio contigo? - perguntou, mal se virou para trás para me sorrir.

Cocei a nuca, com os olhos postos no chão e disse-lhe:

- Ninguém, precisava de pôr a cabeça em ordem.

E ouvi de imediato o tilintar do metal dos talheres, da panela, a baterem uns nos outros, antes de parar de ouvir qualquer barulho.

- Que é que se passou? - indagou, só voltei a mergulhar no seu acolhedor olhar maternal quando a mão calejada veio acariciar-me o braço junto à camisa dobrada.

Abracei-a porque foi o que me mandou fazer o meu instinto, mas não chorei.

- O Ryan tentou falar comigo hoje. - limitei-me a murmurar.

Não levou tempo nenhum a afastar-me para me olhar nos olhos. Segurou-me o rosto entre as duas mãos como se estivesse à espera de me decifrar, de encontrar alguma pista de como correu essa conversa.

- E então? O que é que te disse? O que é que lhe disseste?

Encolhi os ombros e passei de a olhar, para olhar o vazio algures atrás de si.

- Nada, mandei-o passear... Teve mais que tempo para só se lembrar de tentar dizer o que quer que seja agora. - só no final desta frase me falhou a voz e senti os olhos a voltarem a arder, limpei qualquer vestígio de lágrimas de imediato.

- Filho...

E lá estava ela. Como antes, como da primeira vez, via que não o odiava, apesar de que desta disfarçou muito melhor que antes. Continuava sem odiar o outro miúdo que criou como se fosse seu e não a culpava por isso.

Acho que naquele dia gostaria que o odiasse, agora já não, não precisava disso.

Mas neste momento, quando não me disse que tinha feito mais que bem em não lhe dar conversa, voltei a sentir aquela necessidade de lhe perguntar, de saber do que é que sabia e se sabia.

As palavras fugiram-me sem que pudesse impedi-las.

- Costumas vê-lo muito, sabes, lá em casa...? Como é que ele está...?

Suspirou.

- Bem, acho que o jantar pode esperar, ainda é cedo. Vem, vamos sentar-nos um bocadinho. - disse enquanto, com uma mão nas minhas costas, me guiava para a sala.

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